sábado, 29 de janeiro de 2022

O teu cabelo não nega | Irmãos Valença e Lamartine Babo, 1932


Num mundo cada vez mais regido pela cartilha do politicamente correto, “O teu cabelo não nega” não teria nascido. Patrulheiros da correção iriam acusar a letra de racista, principalmente pelo trecho “mas como a cor não pega”, em que os autores, buscando uma rima de sentido cômico para “nega”, declaram o incontrolável amor que sentem por aquela musa multirracial que tem “um sabor bem do Brasil”. Com ou sem intolerâncias, a marchinha dos Irmãos Valença e de Lamartine Babo (1904-1963) foi um sucesso espetacular no carnaval de 1932, como uma ode à beleza e ao charme da mestiça, que provoca uma guerra entre os portugueses e os marinheiros brasileiros.
Quando, meu bem, vieste à Terra / Portugal declarou guerra / A concorrência, então, foi colossal / Vasco da Gama contra o Batalhão Naval.”
Como muitas outras clássicas marchinhas, a irresistível “O teu cabelo não nega” tem um humor ingênuo e direto, que pega de primeira. A música, no entanto, tem história bem mais complexa. Nasceu a partir de um frevo, “Mulata”, que tinha animado o carnaval de Recife em 1929 e foi oferecido à gravadora Victor pelos seus autores, os irmãos pernambucanos Raul (1894-1977) e João Valença (1890-1983). O então diretor da companhia de discos implicou com a letra e Lamartine foi convocado para reescrevê-la. O carioca Lalá não só trocou muitos versos como mexeu na melodia, reforçou a pulsação rítmica, aumentando seu balanço. Também registrou a canção apenas em seu nome, com o título “O teu cabelo não nega”. Os Valença entraram com ação judicial, ganharam a causa e foram indenizados e adicionados à parceira.
Gravada pelo cantor e comediante Castro Barbosa, com acompanhamento do Grupo da Guarda Velha e arranjo e direção musical de Pixinguinha, “O teu cabelo não nega” foi lançada no carnaval de 1932 e desde então não para de animar ruas, blocos e salões Brasil afora.

Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil

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