O cego, de Jaime Martins Barata
O ruído vário da rua
Passa alto por mim que sigo.
Vejo: cada coisa é sua
Oiço: cada som é consigo.
Passa alto por mim que sigo.
Vejo: cada coisa é sua
Oiço: cada som é consigo.
Sou
como a praia a que invade
Um mar que torna a descer.
Ah, nisto tudo a verdade
É só eu ter que morrer.
Um mar que torna a descer.
Ah, nisto tudo a verdade
É só eu ter que morrer.
Depois
de eu cessar, o ruído.
Não, não ajusto nada
Ao meu conceito perdido
Como uma flor na estrada.
Não, não ajusto nada
Ao meu conceito perdido
Como uma flor na estrada.
Cheguei
à janela
Porque ouvi cantar.
É um cego e a guitarra
Que estão a chorar.
Porque ouvi cantar.
É um cego e a guitarra
Que estão a chorar.
Ambos
fazem pena,
São uma coisa só
Que anda pelo mundo
A fazer ter dó.
São uma coisa só
Que anda pelo mundo
A fazer ter dó.
Eu
também sou um cego
Cantando na estrada,
A estrada é maior
E não peço nada.
Cantando na estrada,
A estrada é maior
E não peço nada.
Fernando
Pessoa
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