quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Capítulo 147 - O desatino

Mandei logo para a imprensa uma notícia discreta, dizendo que provavelmente começaria a publicação de um jornal oposicionista, daí a algumas semanas, redigido pelo Doutor Brás Cubas. O Quincas Borba, a quem li a notícia, pegou da pena, e acrescentou ao meu nome, com uma fraternidade verdadeiramente humanista, esta frase: “um dos mais gloriosos membros da passada câmara”.
No dia seguinte entra-me em casa o Cotrim. Vinha um pouco transtornado, mas dissimulava, afetando sossego e até alegria. Vira a notícia do jornal, e achou que devia, como amigo e parente, dissuadir-me de semelhante ideia. Era um erro, um erro fatal. Mostrou que eu ia colocar-me numa situação difícil e de certa maneira trancar as portas do parlamento. O ministério, não só lhe parecia excelente, o que aliás podia não ser a minha opinião, mas com certeza viveria muito; e que podia eu ganhar com indispô-lo contra mim? Sabia que alguns dos ministros me eram afeiçoados; não era impossível uma vaga, e... Interrompi-o nesse ponto, para lhe dizer que meditara muito o passo que ia dar, e não podia recuar uma linha. Cheguei a propor-lhe a leitura do programa, mas ele recusou energicamente, dizendo que não queria ter a mínima parte no meu desatino.
É um verdadeiro desatino, repetiu ele; pense ainda alguns dias, e verá que é um desatino.
A mesma coisa disse Sabina, à noite, no teatro. Deixou a filha no camarote, com Cotrim, e trouxe-me ao corredor.
Mano Brás, que é que você vai fazer? perguntou-me aflita. Que ideia é essa de provocar o governo, sem necessidade, quando podia...
Expliquei-lhe que não me convinha mendigar uma cadeira no parlamento; que a minha ideia era derribar o ministério, por não me parecer adequado à situação – e a certa fórmula filosófica; afiancei que empregaria sempre uma linguagem cortês, embora enérgica. A violência não era especiaria do meu paladar. Sabina bateu com o leque na ponta dos dedos, abanou a cabeça, e tornou ao assunto com um ar de súplica e ameaça, alternadamente; eu disse-lhe que não, que não, e que não. Desenganada, lançou-me em rosto preferir os conselhos de pessoas estranhas e invejosas aos dela e do marido. - Pois siga o que lhe parecer, concluiu; nós cumprimos a nossa obrigação. Deu-me as costas e voltou ao camarote.
Machado de Assis, in Memórias póstumas de Brás Cubas

Nenhum comentário:

Postar um comentário