“Que
o mundo ‘está infestado com a escória do gênero humano’ é
perfeitamente verdade. A natureza humana é imperfeita. Mas pensar
que a tarefa da literatura é separar o trigo do joio é rejeitar a
própria literatura. A literatura artística é assim chamada porque
descreve a vida como realmente é. O seu objetivo é a verdade –
incondicional e honestamente. O escritor não é um confeiteiro, um
negociante de cosméticos, alguém que entretém; é um homem
constrangido pela realização do seu dever e a sua consciência.
Para um químico, nada na terra é puro. Um escritor tem de ser tão
objectivo como um químico.
Parece-me que o escritor não
deveria tentar resolver questões como a existência de Deus,
pessimismo, etc. A sua função é descrever aqueles que falam, ou
pensam, acerca de Deus e do pessimismo, como e em que circunstâncias.
O artista não deveria ser juiz dos seus personagens e das suas
conversas, mas apenas um observador imparcial.
Têm
razão em exigir que um artista deva ter uma atitude inteligente em
relação ao seu trabalho, mas confundem duas coisas: resolver um
problema e enunciar corretamente um problema. Para o artista, só a
segunda cláusula é obrigatória.
Acusam-me
de ser objetivo, chamando-lhe indiferença em relação ao bem e ao
mal, falta de ideias e ideais, etc. Querem que, ao descrever ladrões
de cavalos, diga: ‘Roubar cavalos é mau’. Mas isso é sabido há
séculos sem que eu tenha de o dizer. Deixem que um júri os julgue;
a minha tarefa é simplesmente mostrar que gênero de pessoas são.
Escrevo: estão a lidar com ladrões de cavalos e, assim, deixem-me
dizer-lhes que não são mendigos, mas gente bem alimentada que segue
um culto especial e que roubar cavalos não é simplesmente roubo,
mas uma paixão.
Claro
que seria agradável combinar arte com sermões, mas, quanto a mim, é
impossível por questões técnicas. Para descrever ladrões de
cavalos em setecentas linhas, tenho de falar, pensar e sentir à
maneira deles. De outro modo, a história não será tão compacta
como os contos deveriam ser. Quando escrevo, conto inteiramente com o
leitor para que este acrescente os elementos subjetivos que faltam na
história.”
Anton
Tchekhov, in
Cartas
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