quarta-feira, 24 de abril de 2024

A implosão da mentira | 2

Evidente/mente a crer
nos que me mentem
uma flor nasceu em Hiroshima
e em Auschwitz havia um circo
permanente.

Mentem. Mentem caricaturalmente:

mentem como a careca
mente ao pente,
mentem como a dentadura
mente ao dente,
mentem como a carroça
à besta em frente,
mentem como a doença
ao doente,
mentem clara/mente
como o espelho transparente.

Mentem deslavada/mente,
como nenhuma lavadeira mente
ao ver a nódoa sobre o linho. Mentem
com a cara limpa e nas mãos
o sangue quente. Mentem
ardente/mente como um doente
nos seus instantes de febre. Mentem
fabulosa/mente como o caçador que quer passar
gato por lebre. E nessa trilha de mentira
a caça é que caça o caçador
com a armadilha.

E assim cada qual
mente industrial? Mente,
mente partidária? Mente,
mente incivil? Mente,
mente tropical? Mente,
mente incontinente? Mente,
mente hereditária? Mente,
mente, mente, mente.
E de tanto tão brava/mente
constroem um país
de mentira
diária/mente.

Affonso Romano de Sant’Anna, in A implosão da mentira e outros poemas

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