“Dream team” da bossa nova em 1962: Vinicius e Tom (no piano), João Gilberto e Os Cariocas
Canção-símbolo
da bossa nova, marco inicial da mais radical mudança de rumo na
história da música brasileira, “Chega de saudade” foi escrita
por Antônio Carlos Jobim (1927-1994) e Vinicius de Moraes
(1913-1980) e gravada pela primeira vez no início de 1958 por
Elizeth Cardoso no LP Canção do amor demais. Porém, na
forma tradicional que Elizeth a cantava, de bossa nova a música não
tinha nada – apenas a batida diferente do violão de João
Gilberto, que, ao fundo e no meio da orquestra, passou quase
despercebida. Apesar da popularidade e do prestígio de Elizeth, e da
qualidade das canções da dupla, o disco passou batido pelo público
e pela crítica.
Seis
meses depois, com um arranjo moderno e minimalista de Tom Jobim e uma
introdução à maneira de regional de choro puxada pela flauta, João
Gilberto regravou “Chega de saudade”. Agora, com a batida de seu
violão integrada à sua voz, canto com um mínimo de volume e um
máximo de suingue e precisão, alterando acordes e divisões
rítmicas, valorizando as palavras da letra coloquial, carinhosa e
cheia de diminutivos de Vinicius de Moraes. Nascia a bossa nova. E
logo se transformava em um improvável sucesso nacional, começando
pelas rádios de São Paulo e se alastrando para o resto do país. O
estilo provocou polêmica e virou a melhor novidade do ano,
conquistando a juventude e se tornando trilha sonora dos alegres e
otimistas “Anos JK”.
No
rótulo do histórico 78 rpm, a música era identificada como
“samba-canção”. A prática de classificar os gêneros musicais
dos discos começava a ser abolida pelas gravadoras na época e, na
verdade, o próprio João Gilberto nunca aprovou o rótulo de bossa
nova. Como sempre disse, a batida de seu violão era samba, um samba
minimalista e sincopado, mas sempre samba.
Para
Tom Jobim, “Chega de saudade” era mais um “samba-choro”, que
compôs baseado em sequências de acordes básicos de um método para
violão comprado para uma sobrinha, como contou a Tárik de Souza no
livro Tons sobre Tom. Sobre essa sequência, alterou os
acordes e escreveu uma melodia que em sua primeira parte é toda em
tom menor, saudoso e melancólico, para se abrir em tom maior na
segunda, quando a letra se ilumina a partir de “Mas, se ela voltar
/ se ela voltar que coisa linda, que coisa louca / pois há menos
peixinhos a nadar no mar / do que os beijinhos que darei na sua
boca”.
Foi
uma overdose de escândalos. Um cantor que não tinha voz para os
padrões da era do rádio, cantando de uma forma doce e feminina no
reinado dos cantores viris e grandiloquentes. Um ritmo esquisito que
sambistas tradicionais chamaram pejorativamente de “violão gago”.
Um poeta místico e dramático com a obra e a respeitabilidade de
Vinicius rimando beijinhos com peixinhos.
Embora
secundária como música e letra na obra monumental de Tom e
Vinicius, o tempo provou que a melodia sinuosa e os acordes
dissonantes, a letra coloquial e inovadora e a nova batida de violão
envolvendo o canto mínimo e exato de João Gilberto resultaram na
criação de um novo gênero musical que, em seguida, também
ganharia os Estados Unidos, a Europa e o Japão, e seria uma das
maiores contribuições brasileiras para a beleza e a alegria do
mundo.
Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário