segunda-feira, 14 de junho de 2021

A linguagem das árvores

Segundo o dicionário, fala é a “faculdade que tem o homem de expressar verbalmente suas ideias, emoções e experiências”. Visto dessa forma, apenas os humanos podem falar, pois esse conceito se limita à nossa espécie. No entanto, não seria interessante descobrir que as árvores também podem se expressar? Claro que elas não produzem sons, por isso não há nada que possam escutar. Os galhos rangem e estalam ao entrar em atrito uns com os outros, e as folhas farfalham, mas esses sons são causados pelo vento, não dependem de ações delas. Acontece que as árvores marcam sua presença de outra forma: por meio dos odores que exalam.
Isso não é novidade para nós, seres humanos; afinal, usamos desodorantes e perfumes. E, mesmo que não usássemos, nosso odor transmite informações ao consciente e ao inconsciente de outras pessoas. Algumas parecem simplesmente não ter cheiro algum, enquanto outras usam o odor para atrair. Segundo a ciência, os feromônios do suor são fundamentais até para decidirmos quem será nosso parceiro, ou seja, com quem queremos ter filhos. Dessa forma, temos uma linguagem aromática secreta, que as árvores demonstraram também ter.
Há cerca de 40 anos cientistas notaram algo interessante na savana da África. As girafas comem a folhagem da Acacia tortilis, uma espécie de acácia que não gosta nem um pouco disso. Para se livrar dos herbívoros, poucos minutos depois de as girafas aparecerem as acácias bombeiam toxinas para as folhas. As girafas sabem disso e partem para as árvores próximas. Mas não tão próximas: primeiro elas pulam vários exemplares e só voltam a comer depois de uns 100 metros. O motivo é surpreendente: as acácias atacadas exalam um gás de alerta (no caso, etileno) que sinaliza às outras ao redor que surgiu um perigo. Com isso, todos os indivíduos alertados se preparam de antemão e também liberam toxinas. As girafas conhecem a tática e por isso avançam savana adentro até encontrarem árvores desavisadas. Ou então trabalham contra o vento, já que é ele que carrega a mensagem aromática, buscando acácias que ainda não detectaram sua presença.
Isso também acontece em outras florestas. Sejam faias, abetos ou carvalhos, as árvores percebem os ataques sofridos. Dessa forma, quando uma lagarta morde com vontade, o tecido da folha danificada se altera e ela envia sinais elétricos, da mesma forma que acontece com o corpo humano. No entanto, esse impulso não se espalha em milissegundos, como no nosso caso, mas a apenas 1 centímetro por minuto. Por isso demora até uma hora para que a substância defensiva chegue às folhas e acabe com a refeição da praga. As árvores não são rápidas, e mesmo em perigo essa parece ser sua velocidade máxima.
Apesar do ritmo lento, as partes individuais do corpo de uma árvore não funcionam isoladamente. Por exemplo, se as raízes estiverem em dificuldade, a informação se espalhará pela árvore, que liberará uma substância especial pelas folhas. Essa capacidade de produzir diferentes substâncias é outra característica das árvores que as ajuda a identificar quem está atacando.
A saliva de cada espécie de inseto é única e pode ser tão bem classificada que as árvores são capazes de emitir substâncias que atraem predadores específicos desses insetos, que atacarão a praga e em consequência ajudarão as árvores. Os olmos e pinheiros, por exemplo, apelam a pequenas vespas que depositam seus ovos no corpo das lagartas que comem folhas. A larva da vespa se desenvolve no interior da praga, que é devorada pouco a pouco, de dentro para fora. Assim as árvores se livram de pragas inconvenientes e podem continuar crescendo livremente. A capacidade de identificar a saliva das pragas comprova outra habilidade das árvores: elas também devem ter uma espécie de paladar.
No entanto, as substâncias odoríferas têm uma desvantagem: elas se dispersam rapidamente com o vento – em geral só são detectadas a, no máximo, 100 metros da árvore que a emitiu. De qualquer forma, como a propagação de sinais dentro da árvore ocorre com muita lentidão, pelo ar a árvore cobre áreas muito mais extensas e alerta partes distantes do próprio corpo com velocidade bem maior.
Muitas vezes as árvores não precisam pedir ajuda específica para se defender dos insetos. O mundo animal registra as mensagens químicas básicas das árvores, sabe qual espécie de árvore está sendo atacada e quais espécies predadoras devem se mobilizar. As que se alimentam do organismo que está atacando a árvore se sentem atraídas.
A árvore também sabe se defender por conta própria. Por exemplo, para matar insetos devoradores ou pelo menos para se tornar desagradável ao paladar do agressor, o carvalho libera, na casca e nas folhas, tanino, uma substância amarga e venenosa. O salgueiro produz salicina, um precursor da aspirina que tem o mesmo efeito que o tanino, mas não em nós, seres humanos: na verdade, o chá de sua casca alivia dores de cabeça e diminui a febre. A árvore precisa de tempo para ativar essa defesa, por isso a cooperação no alerta inicial é fundamental.
As árvores não confiam apenas no ar, pois o cheiro do perigo não alcançaria todas as vizinhas. Para contornar essa limitação, elas enviam mensagens também pelas raízes, que as conectam e não dependem do clima para funcionar bem. Recentemente uma pesquisa chegou à surpreendente conclusão de que os alertas são espalhados não apenas por meios químicos, mas também eletricamente, a 1 centímetro por segundo. Em comparação com o nosso corpo, é uma velocidade baixa, mas no reino animal existem espécies com velocidade de condução elétrica semelhante à das árvores, como as águas-vivas e as minhocas. Quando a notícia se espalha, todos os carvalhos bombeiam tanino.
As raízes de uma árvore são muito longas, têm mais que o dobro da extensão da copa. Elas se entrelaçam e aderem às raízes das árvores vizinhas. No entanto, esse contato não acontece em todos os casos, pois na floresta também há árvores solitárias, que não querem se relacionar com as outras. Felizmente, porém, elas não conseguem bloquear os sinais de alarme. Na maioria dos casos as árvores se valem dos fungos para fazer a transmissão rápida das mensagens. Eles funcionam como os cabos de fibra óptica da internet. Os filamentos finos penetram a terra e se entremeiam pelas raízes em uma densidade inimaginável, a ponto de uma colher de chá de terra da floresta conter muitos quilômetros desses “condutores”.
Ao longo dos séculos, um único fungo pode se estender por muitos quilômetros quadrados e criar uma rede capaz de ligar florestas inteiras. Ele transmite sinais de uma árvore para outra e as ajuda a trocar notícias sobre insetos, secas e outros perigos. Aliás, a ciência já fala da existência de uma “wood wide web” que permeia as florestas. As pesquisas sobre quais e quantas informações são trocadas ainda estão no início. O que já se sabe é que os fungos seguem uma estratégia, calcada na intermediação e no equilíbrio, que às vezes põe em contato diferentes espécies de árvores, mesmo que sejam concorrentes.
Quando as árvores ficam enfraquecidas, talvez não percam apenas a capacidade de defesa, mas também a de se comunicar. Só isso explica por que os insetos escolhem atacar especificamente os espécimes debilitados. É possível que, ao captar os alertas químicos das árvores, eles mordam as folhas ou a casca para testar os indivíduos que não se comunicaram. Esse “silêncio” pode ser causado por uma doença grave, mas também pode se dever à perda da rede de fungos, que deixa a árvore incomunicável. Sem acesso à rede, ela não recebe o sinal de perigo iminente e acaba devorada por lagartas e besouros. Com isso, os espécimes solitários também ficam à mercê dos ataques. Eles podem até parecer saudáveis, mas de fato não fazem ideia do que está acontecendo a seu redor.
Na floresta, os arbustos e gramados também fazem esse tipo de troca (na verdade, possivelmente todas as espécies de plantas). No entanto, nas plantações a vegetação fica em silêncio. As plantas cultivadas não são capazes de se comunicar umas com as outras, seja por cima ou por baixo da terra. São quase surdas-mudas, por isso se tornam presas fáceis para insetos. Esse é um dos motivos pelos quais a agricultura moderna usa tanto inseticida. Para estimular a comunicação entre as plantas, os agricultores deveriam aprender mais sobre as florestas e introduzir um pouco da vida selvagem em seus cultivos.
No entanto, a comunicação entre árvores e insetos não gira somente em torno de questões de defesa e doença. Percebemos e até sentimos os muitos sinais de contato positivo entre seres tão diferentes. Falo das agradáveis mensagens enviadas pelas flores. Elas não disseminam o aroma ao acaso ou para nos agradar. Ao enviar essa mensagem, as árvores frutíferas, os salgueiros e as castanheiras estão fazendo um convite às abelhas. Quando atendem ao chamado, os insetos recebem um néctar doce, rico em açúcar, como recompensa pela polinização.
Assim como um outdoor, a forma e a cor das flores também funcionam como um sinal. As árvores se comunicam por meios olfativos, visuais e elétricos (para isso se valem de uma espécie de célula nervosa nas pontas das raízes). E quanto aos sons? Como eu disse, as árvores são silenciosas, porém estudos mais recentes reconsideraram essa afirmação. Monica Gagliano, da Universidade da Austrália Ocidental, auscultou o solo junto com colegas de Bristol e Florença. Como não seria nada prático ter árvores em laboratórios, foi mais fácil pesquisar brotos de cereais. E o fato é que os dispositivos de medição logo registraram um leve estalo das raízes a uma frequência de 220 hertz.
Esse fato por si só não significa muita coisa, afinal a madeira morta estala quando queimada. Mas o ruído captado no laboratório também foi ouvido pelas raízes não envolvidas no experimento. Quando eram expostas aos estalos a 220 hertz, as extremidades de suas raízes apontavam para a direção de onde a frequência era emitida. Isso significa que estavam registrando a frequência e, portanto, faz sentido dizer que os brotos “ouviram”.
A possibilidade de haver troca de informações entre plantas por meio de ondas sonoras certamente desperta muita curiosidade. Talvez esta seja a chave para podermos compreender as árvores, descobrir se estão bem e de que precisam. Infelizmente ainda não alcançamos esse ponto, pois a pesquisa na área está apenas começando. Mas, quando ouvir estalos no seu próximo passeio pela floresta, lembre-se de que talvez não seja apenas o vento…

Peter Wohlleben, in A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam – As descobertas de um mundo oculto

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