quarta-feira, 27 de maio de 2020

Sementeira

Foto: Zeca Dirceu

O poeta

faz agricultura às avessas:

numa única semente

planta a terra inteira.


Com lâmina de enxada

a palavra fere o tempo:

decepa o cordão umbilical

do que pode ser um chão nascente.


No final da lavoura

o poeta não tem conta para fechar:

ele só possui

o que não se pode colher.


Afinal,

não era a palavra que lhe faltava.


Era a vida que ele, nele, desconhecia.

Mia Couto

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