sábado, 2 de maio de 2020

Ironia e humor

A ironia tem algo de desumano. Ainda mais com aquele ar de superioridade, mesmo que se trate de um Eça, cujo estilo o salvou. E quando digo estilo quero dizer o homem. Em Anatole France, nem isso: sua prosa era um pastiche dos clássicos; seu ceticismo, uma atitude. Tudo porque acabo de descobrir no diário de Jules Renard esta frase tão humana: “Só se tem o direito de rir das lágrimas depois que já se chorou.” Isto, agora, já não é ironia: é húmor. E, a propósito, a melhor discriminação que encontrei entre uma coisa e outra foi em Louis Latzarus em sua biografia de Rivarol: “A ironia é o espírito à custa dos outros; o humor é o espírito à custa própria.”
P.S. — Neste agá, que vale pelas citações, verdade seja dita, usei a grafia “húmor”, proposta por Sud Menucci, como equivalente do “humour” britânico, num seu agudo e hoje infelizmente inencontrável ensaio publicado pela antiga Editora Monteiro Lobato. Mas um problema ainda resta: essa vaga designação de humoristas e humorismo — que, por exemplo, no mesmo saco de gatos, mistura Machado de Assis e Léo Vaz, tão finos, com Mark Twain, um grosso.
Mário Quintana, in A vaca e o hipogrifo

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