Olhe!
conto ao senhor. Se diz que, no bando de Antônio Dó, tinha um grado
jagunço, bem remediado de posses ― Davidão era o nome dele. Vai,
um dia, coisas dessas que às vezes acontecem, esse Davidão pegou a
ter medo de morrer. Safado, pensou, propôs este trato a um outro,
pobre dos mais pobres, chamado Faustino! o Davidão dava a ele dez
contos de réis, mas, em lei de caborje ― invisível no
sobrenatural ― chegasse primeiro o destino do Davidão morrer em
combate, então era o Faustino quem morria, em vez dele. E o Faustino
aceitou, recebeu, fechou. Parece que, com efeito, no poder de feitiço
do contrato ele muito não acreditava. Então, pelo seguinte, deram
um grande fogo, contra os soldados do Major Alcides do Amaral,
sitiado forte em São Francisco. Combate quando findou, todos os dois
estavam vivos, o Davidão e o Faustino. A de ver? Para nenhum deles
não tinha chegado a hora-e-dia. escapos, alteração nenhuma não
havendo; nem feridos eles não saíam... Que tal, o que o senhor
acha? Pois, mire e veja! isto mesmo narrei a um rapaz de cidade
grande, muito inteligente, vindo com outros num caminhão, para
pescarem no Rio. Sabe o que o moço me disse? Que era assunto de
valor, para se compor uma estória em livro. Mas que precisava de um
final sustante, caprichado. O final que ele daí imaginou, foi um:
que, um dia, o Faustino pegava também a ter medo, queria revogar o
ajuste! Devolvia o dinheiro. Mas o Davidão não aceitava, não
queria, por forma nenhuma. Do discutir, ferveram nisso, ferravam numa
luta corporal. A fino, o Faustino se provia na faca, investia, os
dois rolavam no chão, embolados. Mas, no confuso, por sua própria
mão dele, a faca cravava no coração do Faustino, que falecia...
Apreciei
demais essa continuação inventada. A quanta coisa limpa verdadeira
uma pessoa de alta instrução não concebe! Aí podem encher este
mundo de outros movimentos, sem os erros e volteios da vida em sua
lerdeza de sarrafaçar. A vida disfarça? Por exemplo. Disse isso ao
rapaz pescador, a quem sincero louvei. E ele me indagou qual tinha
sido o fim, na verdade de realidade, de Davidão e Faustino. O fim?
Quem sei. Soube somente só que o Davidão resolveu deixar a
jagunçagem ― deu baixa do bando, e, com certas promessas, de ceder
uns alqueires de terra, e outras vantagens de mais pagar, conseguiu
do Faustino dar baixa também, e viesse morar perto dele, sempre.
Mais deles, ignoro. No real da vida, as coisas acabam com menos
formato, nem acabam. Melhor assim. Pelejar por exato, dá erro contra
a gente. Não se queira. Viver é muito perigoso…
Guimarães
Rosa, in Grande sertão: veredas
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