Na
parede da sala de visitas estava pendurada uma aquarela representando
um grupo de mucubais a dançar. Ludo conhecera o artista, Albano
Neves e Sousa, um tipo brincalhão, divertido, velho amigo do
cunhado. Ao princípio, odiou o quadro. Via nele um resumo de tudo o
que a horrorizava em Angola: Selvagens celebrando algo – uma
alegria, um augúrio feliz – que lhe era alheio. Depois, pouco a
pouco, ao longo dos compridos meses de silêncio e de solidão,
começou a ganhar afeto por aquelas figuras que se moviam, em redor
de uma fogueira, como se a vida merecesse tanta elegância.
Queimou
as mobílias, queimou milhares de livros, queimou todas as telas. Foi
só quando se viu desesperada que retirou os mucubais da parede. Ia
para arrancar o prego, apenas por uma questão de estética, porque
lhe parecia mal ali, sem serventia, quando lhe ocorreu que talvez
aquilo, aquele pedaço de metal, segurasse a parede. Talvez
sustentasse todo o edifício. Quem sabe, arrancando o prego da
parede, ruísse a cidade inteira.
Não
arrancou o prego.
José
Eduardo Agualusa, in Teoria Geral do Esquecimento
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