segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Pergunta de uma pequena menina

A Raquel, minha filha, tinha pouco mais de dois anos. Entrou no meu quarto e me sacudiu até que eu acordasse. Aí ela me olhou e fez a pergunta que a atormentava e a tirara da cama. “Papai, quando você morrer vai sentir saudades?”. Tão pequena e já sabia que uma grande separação nos aguarda! Onde ela aprendera aquilo? Ela nunca tivera experiência alguma com a morte! Talvez a consciência da morte já nasça conosco, não sendo coisa que se precisa aprender. Mais do que isso: ela sabia que morrer é ir para muito longe, para o lugar onde mora a saudade sem retorno. Ter de morrer é estar condenado à saudade... Fiquei mudo de espanto, não sabia o que dizer. Ela então me salvou da minha perplexidade. “Não chore. Eu vou te abraçar...”, ela me disse como consolo. Esse incidente me levou a escrever a estória A montanha encantada dos gansos selvagens, em que esse diálogo é preservado.
Rubem Alves, in Do universo à jabuticaba

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