domingo, 20 de janeiro de 2019

Instante e eternidade

A eternidade apenas se deixa ser compreendida enquanto experiência, como algo de vivido. Concebê-la objetivamente não tem nenhum sentido para o indivíduo, pois sua finitude temporal não lhe permite considerar uma duração infinita, um processo ilimitado. A experiência da eternidade depende da intensidade das reações subjetivas; a entrada na eternidade somente pode ser cumprida transcendendo-se a temporalidade. Deve-se conduzir um combate áspero e intenso contra o tempo para que ele apenas permaneça - uma vez vencida a miragem da sucessão de momentos - a vivência exasperada do instante, que nos precipita diretamente rumo ao atemporal. Como a imersão absoluta no instante concede-nos tal acesso? A percepção do porvir resulta da insuficiência dos instantes, de sua relatividade: todos aqueles que são dotados de uma consciência afiada da temporalidade vivem cada segundo pensando no seguinte. Somente se tem acesso à eternidade, por outro lado, suprimindo-se toda correlação, vivendo-se cada instante de maneira absoluta. Toda a experiência da eternidade supõe um salto e uma transfiguração, pois muito poucos são capazes da tensão necessária para atingir esta paz serena que se encontra na contemplação do eterno. Não é a duração, mas a potência desta contemplação que mais importa. O retorno às vivências habituais não diminui em nada a fecundidade desta intensa experiência. A frequência da contemplação é essencial - só a repetição permite atingir a embriaguez da eternidade, onde as volúpias têm algo de supra-terrestre, uma transcendência radiante. Isolando cada instante na sucessão, concedemos-lhe um caráter absoluto, mas que permanece puramente subjetivo, sem qualquer elemento de irrealidade ou fantasia. Na perspectiva da eternidade, o tempo é, com seu cortejo de instantes individuais, senão irreal, ao menos insignificante em vista das realidades essenciais.
A eternidade faz com que vivamos sem lamentar ou esperar o que quer que seja. Viver cada momento por ele mesmo - isto é exceder a relatividade do gosto e das categorias, distanciar-se da imanência em que nos encerra a temporalidade. O viver imanente à vida é impossível sem o viver simultâneo no tempo, pois a vida como atividade dinâmica e progressiva exige a temporalidade: privada desta, ela perde seu caráter dramático. Quanto mais a vida é intensa, mais o tempo se torna essencial e revelador. Além disso, a vida apresenta uma multiplicidade de direções e de arroubos que somente podem ser empregados no tempo. Falando da vida, nós mencionamos instantes; falando da eternidade - o instante. Não há uma ausência de vida na experiência da eternidade, nesta vitória sobre o tempo, nesta transcendência dos momentos? Uma transfiguração opera-se, um desvio súbito da vida rumo a um plano diferente, no qual a antinomia e a dialética das tendências vitais estão como que purificadas. Aqueles que são predispostos à contemplação da eternidade, tais como os mestres orientais, ignoram nosso áspero combate para transcender o tempo, ignoram nossos esforços de interiorização - nós que estamos profundamente contaminados pela temporalidade. A contemplação da própria eternidade é para nós uma fonte de sedutoras visões e de estranhos encantamentos. Tudo é permitido ao indivíduo dotado da consciência da eternidade, pois, para ele, as diferenciações fundam-se numa imagem de monumental serenidade, que parece o resultado da paixão que se sente por uma mulher, por seu próprio destino ou por seu desespero; mas a propensão que se tem pelas regiões da eternidade atrai uma espécie de élan para a paz de uma luz estelar.
Emil Cioran, in Nos cumes do desespero

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