quarta-feira, 28 de novembro de 2018

A insatisfação total

Devido a que anátema certas pessoas não se sentem à vontade em lugar nenhum? Nem com, nem sem o sol; nem com os homens, nem sem eles... Ignorar o bom humor - eis uma coisa desconcertante. Os homens mais infelizes - são aqueles que não têm direito à inconsciência. Ter uma consciência sempre alerta, redefinir sem parar suas relações com o mundo, viver numa tensão perpétua do conhecimento - isto nos leva a estar perdidos para a vida. Não vive acaso o homem a tragédia de um animal constantemente insatisfeito, suspenso entre a vida e a morte? Minha condição humana irrita-me profundamente. Se pudesse, eu renunciaria a ela sem pensar duas vezes; o que me tornaria então? Um animal? Não há marcha à ré possível. Além disto, eu arriscaria de me tornar um animal consciente da história da filosofia. Tornar-se um super-homem me parece uma impossibilidade e idiotice, um fantasma risível. A solução - aproximativa, certamente - não residiria numa espécie de supra-consciência? Não se poderia viver para além (e não aquém, no sentido da animalidade) de todas as formas complexas da consciência, dos suplícios e das ansiedades, dos problemas nervosos e das experiências espirituais, numa esfera de existência em que a ascensão à eternidade deixaria de ser um simples mito? Naquilo que me diz respeito, eu renuncio à humanidade: não posso, nem quero, permanecer humano. O que me restaria a fazer enquanto tal - servir um sistema social e político, ou ainda, causar a infelicidade de uma pobre garota? Trilhar as inconsequências dos vários sistemas filosóficos ou dedicar-me a realizar um ideal moral e estético? Tudo isto me pareceria ridículo - nada poderia me tentar. Eu renuncio à minha condição de homem, sob o risco de me encontrar sozinho nos degraus que quero subir. Acaso já não estou sozinho neste mundo do qual nada espero? Para além das aspirações e ideais correntes, uma supra-consciência forneceria, provavelmente, um espaço em que se possa respirar. Ébrio de eternidade, eu esqueceria a futilidade deste mundo; nada mais viria atrapalhar um êxtase em que o ser seria tão puro e imaterial quando o não-ser.
Emil Cioran, in Nos cumes do desespero

Nenhum comentário:

Postar um comentário