quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Nascimento e choro de Tita


Pães de Natal
INGREDIENTES:
1 lata de sardinha
½ chouriço
1 cebola Orégano
1 lata de chiles serranos (pimentões picantes)
10 teleras (pão mexicano ovalado e tostado)

MODO DE PREPARAR: 
 
A cebola deve ser picada bem fininha. Sugiro colocar um pedaço no alto da cabeça enquanto corta, com a finalidade de evitar o choro (que é muito irritante!). O problema em chorar quando se corta cebolas é não conseguirmos parar quando surgem as lágrimas. Não sei se isso já aconteceu a você, mas devo confessar que me ocorreu muitas vezes. Mamãe costumava dizer que eu era especialmente sensível a cebolas, como minha tia-avó Tita.
Diziam que Tita era tão suscetível a cebolas que chorava sem parar quando quer que fossem cortadas. Quando ainda estava na barriga de minha bisavó, seu choro era tão alto que Nacha, a cozinheira meio surda, podia ouvi-lo facilmente. Certo dia, os soluços foram tão violentos que adiantaram o trabalho de parto. E antes que minha bisavó pudesse dizer uma palavra, Tita chegou a este mundo prematuramente. Bem ali na mesa da cozinha, entre os aromas de sopa de macarrão cozinhando em fogo brando, de tomilho, de louro, de coentro, de leite fervido, de alho e, é claro, de cebola. Não houve necessidade da habitual palmada no traseiro, porque ela já estava chorando quando nasceu. Talvez porque soubesse que seu destino era ser impedida de casar. Nacha contava que Tita chegou a este mundo literalmente banhada em uma torrente de lágrimas que transbordavam da mesa ao chão da cozinha.
Naquela tarde, quando o alvoroço terminou e a luz do sol secou a água, Nacha lavou os resíduos deixados pelas lágrimas no chão de lajotas vermelhas. Havia sal o suficiente para encher um saco de cinco quilos, que foi utilizado para cozinhar por bastante tempo. Graças ao parto incomum, Tita apaixonou-se profundamente pela cozinha, onde passou a maior parte da vida desde o dia em que nasceu.
O pai de Tita, meu bisavô, morreu devido a um ataque do coração quando ela tinha apenas dois dias de vida. Com o choque, o leite de Mãe Elena secou. Como não havia leite em pó naquele tempo, e como não conseguiam encontrar uma ama de leite em lugar algum, estavam apavorados para satisfazer a fome do bebê. Nacha, que sabia tudo sobre culinária – e sobre muitas outras coisas que agora não vem ao caso –, ofereceu-se como encarregada da alimentação de Tita. Ela sentiu que seria a melhor oportunidade de “educar o estômago de uma criança inocente”, mesmo sem ter se casado ou tido filhos. Embora não soubesse ler ou escrever, conhecia tudo o que dizia respeito à comida. Mãe Elena aceitou a oferta, agradecida. Tinha muito a fazer entre o luto pelo marido e a enorme responsabilidade de administrar o rancho – e era o rancho que proveria seus filhos com a alimentação e a educação que mereciam – sem precisar se preocupar com a nutrição de uma recém-nascida.
Daquele dia em diante, a cozinha foi o domínio de Tita, onde ela cresceu vigorosa e saudável com uma dieta de chás e mingaus ralos de milho. Isso explica o sexto sentido que desenvolveu sobre tudo o que diz respeito à comida. Seus hábitos alimentares, por exemplo, eram afinados com a rotina da cozinha. De manhã, quando podia sentir o cheiro do feijão pronto; ao meio-dia, quando percebia que a água estava no ponto para depenar as galinhas; à tarde, quando se assava o pão do jantar, Tita sabia que era hora de ser alimentada.
Algumas vezes, chorava sem motivo algum, como quando Nacha cortava cebolas, mas já que ambas conheciam a causa daquelas lágrimas, não davam muita atenção. Faziam disso uma fonte de diversão, de modo que, durante a infância, Tita não fazia distinção entre lágrimas de alegria e de tristeza. Para ela, rir era uma forma de chorar.
Da mesma forma, a alegria de viver, para Tita, era embalada pelas delícias da comida. Não era fácil, para alguém cujo conhecimento da vida estava fundamentado na cozinha, entender o mundo externo. Aquele mundo era uma extensão infinita que começava além da porta da cozinha, enquanto o restante, considerando tudo o que estava na área próxima e além da porta dos fundos que levava ao pátio e à horta era completamente seu: eram os domínios de Tita.
Para suas irmãs, valia exatamente o contrário: o mundo de Tita parecia repleto de perigos desconhecidos, que temiam. Elas achavam que brincar na cozinha era algo tolo e imprudente. Mas, certa vez, Tita conseguiu convencê-las a assistir ao fascinante espetáculo das gotas de água saltando no comal, uma frigideira usada para assar tortillas de milho.
Enquanto Tita cantava e sacudia as mãos molhadas para fazer as gotas de água entrarem na frigideira e respingarem, Rosaura escondia-se em um canto, assustada com o espetáculo. Gertrudis, por sua vez, considerava a brincadeira tentadora e participava com o entusiasmo sempre demonstrado onde quer que ritmo, movimento e música estivessem envolvidos.
Depois, Rosaura tentara acompanhá-las, porém molhou pouco as mãos e sacudiu-as cautelosamente, então suas iniciativas não surtiam o efeito desejado. Tita procurou aproximar as mãos dela da frigideira. Rosaura resistiu. Cada uma tentou dominar a situação até que Tita se aborreceu e soltou as mãos da irmã, cujo impulso levou-as à frigideira. Tita levou uma surra terrível e foi proibida de brincar com as irmãs nos domínios daquele seu universo particular. Nacha tornou-se sua companhia para brincadeiras. Juntas inventavam jogos e atividades relacionadas à cozinha. Como no dia em que viram, na praça da cidade, um homem que produzia figuras de animais ao torcer longas bexigas cheias de ar, e decidiram fazer o mesmo com chouriços. Não se limitavam a reproduzir animais de verdade, elas inventavam criaturas próprias com o pescoço de um cisne, as pernas de um cachorro, o rabo de um cavalo e assim por diante.
Entretanto, havia problemas quando os animais precisavam ser desmontados para fritar o chouriço. Tita se recusava. Só concordava quando o destino do chouriço eram os pães de Natal que adorava. Nesse caso, não só permitia que seus animais fossem desmontados, mas assistia à fritura com alegria.
O chouriço para pães deve ser frito em fogo brando, de modo que seja inteiramente dourado sem ficar escurecido. Quando estiver no ponto, tire do fogo e acrescente as sardinhas, já sem as espinhas. Qualquer mancha preta na pele deve ser removida com uma faca. Misture as cebolas, as pimentas picadas e o orégano. Deixe a mistura descansar antes de rechear os pães.
Tita apreciava imensamente essa etapa; enquanto o recheio descansava, era muito prazeroso sentir o cheiro que se desprendia, pois aromas têm o poder de evocar o passado, trazendo de volta sons e até mesmo odores que não têm equiparação com as sensações do presente. Tita gostava de inspirar profundamente e deixar a fumaça e o aroma transportar seus pensamentos aos recônditos de sua memória.
Era inútil tentar relembrar a primeira vez em que sentiu o cheiro desses pães – ela não conseguia, possivelmente porque aconteceu antes de ter nascido. Pode ter sido a mistura incomum de sardinhas e chouriços que a impressionou e a fez decidir trocar a paz da existência etérea no ventre de Mãe Elena pela vida como sua filha, e assim ingressar na família De la Garza e compartilhar suas deliciosas refeições e seu chouriço maravilhoso.
Laura Esquivel, in Como água para chocolate

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