segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Nada tem importância

O que importa que eu me atormente, que eu sofra ou que eu pense? Minha presença no mundo não fará nada mais que abalar, para meu grande pesar, algumas existências tranquilas e atrapalhar - para meu pesar ainda maior - a suave inconsciência de algumas outras. Ainda que eu sinta minha própria tragédia como a mais grave da história - mais grave mesmo do que a queda de impérios ou não sei que desmoronamento no fundo de uma mina - eu tenho o sentimento implícito da minha nulidade e da minha insignificância. Ainda que persuadido de não ser nada no universo, eu sinto que minha existência é a única real. E digo mais, se eu devesse escolher entre a existência do mundo e a minha própria, eliminaria de boa vontade a primeira com todas as suas luzes e leis para que pudesse planar solitário no vazio. Ainda que a vida me seja um suplício, eu não pude renunciá-la, pois não creio que sejam absolutos os valores em nome dos quais me sacrificaria. Para ser sincero, eu deveria dizer que não sei por que vivo, nem por que não paro de viver. A chave está, provavelmente, na irracionalidade da vida, que faz com que ela se mantenha sem razão. E se houvessem somente razões absurdas para se viver? O mundo não merece que a gente se sacrifique por uma ideia ou uma crença. Nós somos mais felizes hoje porque outros o fizeram para nosso bem? Que bem? Se alguém sacrificou-se verdadeiramente para que eu fosse mais feliz no presente, eu sou, na verdade, mais infeliz do que ele, pois não concordo em fundar minha existência sobre um cemitério. Há momentos em que eu me sinto responsável por toda a miséria da história, momentos em que não compreendo por que alguns versaram seu sangue por nós. A ironia suprema consistiria em perceber que estes foram mais felizes do que nós somos hoje. Maldita seja a história! Nada mais deveria interessar-me; o problema da própria morte pareceria-me ridículo; o sofrimento - estéril e limitado; o entusiasmo - impuro; a vida - racional; a dialética da vida - lógica e não mais demoníaca; o desespero - menor e parcial; a eternidade - uma palavra oca; a experiência do nada - uma ilusão; a fatalidade - uma piada... Pensando seriamente, para que serve isso tudo? Por que colocar-se questões, tentar esclarecer ou aceitar as sombras? Não seria melhor enterrar minhas lágrimas na areia às margens do mar, numa solidão absoluta? Mas eu nunca chorei, pois as lágrimas transformaram-se em pensamentos tão amargos quanto as próprias lágrimas.
Emil Cioran, in Nos cumes do desespero

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