Vi o romance na
vitrine da livraria e me interessei pelo título. Li o texto da
orelha e soube que era o primeiro livro do autor: um texto breve, uma
novela de 52 páginas e meia dúzia em branco para encorpar o volume
cuja lombada mal se equilibrava de pé.
Depois soube que
Sávio era um perseguidor de mocinhas ricas que moravam em bairros
nobres da cidade. A trama mencionava um sequestro de uma dessas
ninfas grã-finas; o que vinha em seguida era um mistério que o
autor anônimo da orelha não revelou. A novela era a história desse
mistério. Folheei o livrinho, percebi a linguagem sóbria, sem
rebuscamentos do narrador: frases longas que alternavam com outras
mais breves, habilmente construídas. As palavras e o ritmo das
frases me atraíram mais que o enredo, que de algum modo eu já
conhecia. Faltava o mistério.
Comecei a ler o
livro no café ao ar livre da livraria. Não havia ninguém por ali e
o silêncio era um convite à leitura. O calor úmido da metrópole
lembrou o calor abafado da minha cidade. Pedi uma garrafa de água e
acompanhei a sede carnal do personagem: um homem ávido por sexo, tão
ávido que parecia desconhecer o amor, o erotismo e as carícias da
noite. Claro que havia noites de orgasmo na narrativa, mas eram
noites de cópula apressada, não de amor. Quase não havia
descrições, os diálogos eram intencionalmente banais, como quase
tudo nas noites daquele Don Juan de um bairro nobre da metrópole.
Todas as mocinhas pareciam uma única ninfa mimada, perdida em
devaneios ambiciosos, como alguém que aspira a uma dessas
celebridades fúteis e vazias que se vê nos piores programas de TV.
Não foi difícil
notar que a recorrência de corpos e diálogos era uma estratégia
narrativa. A novela não pode ser isso, pensei. E então, na página
27, surgiu uma história de amor. Exatamente na metade do livro.
Admirei essa simetria perfeita: metade perfídia e vaidade, a outra
metade uma verdadeira conquista amorosa. Mergulhei na rede complicada
dessa conquista, que às vezes beirava o patético, mas a voz do
narrador insinuava que o patético é humano e às vezes vale a pena
ser vivido.
Li a novela em
menos de duas horas e fiquei pensando na linguagem que me conduziu ao
enredo e aos personagens, como um leitor que acaba de ler um bom
livro.
Estava perdido
nesse devaneio quando alguém — uma mulher madura e esbelta —
sentou na cadeira à minha esquerda e cruzou as pernas. Percebi que
ela me olhava ou olhava o livro aberto nas minhas mãos. Eu pensava
na história, pensava na moça e no destino do tarado, com ares de
Don Juan de subúrbio. Fechei o livro e olhei para a mulher.
Apontou a capa
vermelha e perguntou se eu tinha gostado da novela.
“Muito”, eu
murmurei.
Então ela
descruzou as pernas, levantou e sentou-se diante de mim. Eu podia
sentir o perfume da maquiagem, o aroma da máscara. Vi os olhos de
egípcia tentando perfurar minha alma. Com uma voz forte, tensa, ela
disse:
“Sou a autora.
Usei um pseudônimo masculino. Agora vou contar a verdadeira história
dessa moça que surgiu do nada.”
Milton Hatoum,
in Um solitário à espreita
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