quinta-feira, 29 de março de 2018

O sentido da vida

O desconcertante mundo de Huxley é baseado no pressuposto biológico de que a felicidade é igual ao prazer. Ser feliz é nada mais, nada menos que experimentar sensações corporais agradáveis. Uma vez que nossa bioquímica limita o volume e a duração dessas sensações, a única maneira de fazer as pessoas sentirem um nível elevado de felicidade por um longo período é manipular seu sistema bioquímico.
Mas essa definição de felicidade é contestada por alguns estudiosos. Em um famoso estudo, Daniel Kahneman, vencedor do Prêmio Nobel de Economia, pediu a algumas pessoas que relatassem um dia típico de trabalho, descrevendo cada momento e avaliando o quanto as agradou ou desagradou. Ele descobriu o que parece ser um paradoxo no modo como a maioria das pessoas veem sua vida. Considere o trabalho inerente à criação de um filho. Kahneman descobriu que ao contar momentos alegres e momentos penosos, criar um filho se revela uma atividade um tanto desagradável. Consiste, em grande parte, de trocar fraldas, lavar pratos e lidar com choradeiras, o que ninguém gosta de fazer. Mas a maioria dos pais declara que seus filhos são sua principal fonte de felicidade. Isso significa que as pessoas não sabem o que é bom para elas?
Essa é uma possibilidade. Outra é que as descobertas demonstram que a felicidade não é o saldo positivo entre momentos agradáveis e momentos desagradáveis; antes, consiste em enxergar a própria vida em sua totalidade como algo significativo e valioso. Há um importante componente ético e cognitivo na felicidade. Nossos valores fazem toda a diferença quanto nos vermos como “escravos infelizes de um bebê ditador” ou como “nutrindo amorosamente uma nova vida”. Como colocou Nietzsche, se você tem um motivo para viver, é capaz de tolerar praticamente qualquer coisa. Uma vida cheia de sentido pode ser extremamente gratificante mesmo em meio a adversidades, ao passo que uma vida sem sentido é um suplício terrível independentemente de ser repleta de conforto.
Embora as pessoas em todas as culturas e épocas tenham sentido os mesmos tipos de prazer e de dor, o sentido que elas atribuíam à sua experiência provavelmente variou muitíssimo. Se é assim, a história da felicidade pode ter sido muito mais turbulenta do que os biólogos imaginam. É uma conclusão que não necessariamente favorece a modernidade. Se avaliarmos a vida minuto a minuto, as pessoas que viveram na Idade Média certamente tiveram uma vida difícil. No entanto, se elas acreditavam na promessa de felicidade eterna após a morte, podem muito bem ter considerado sua vida muito mais valiosa e plena de sentido do que as pessoas seculares de hoje, que, no longo prazo, não conseguem esperar nada além do completo esquecimento. Diante da pergunta “Você está satisfeito com sua vida como um todo?”, as pessoas na Idade Média possivelmente teriam uma pontuação bastante alta em um questionário de bem-estar subjetivo.
Então, nossos ancestrais medievais eram felizes porque encontravam sentido na vida em ilusões coletivas sobre a vida após a morte? Sim. Contanto que ninguém destruísse suas fantasias, por que não? Até onde sabemos, de um ponto de vista puramente científico, a vida humana não tem sentido algum. Os humanos são o resultado de processos evolutivos cegos que atuam sem propósito ou objetivo. Nossas ações não são parte de um plano cósmico divino, e, se o planeta Terra explodisse amanhã, o universo provavelmente seguiria em frente como de costume. Até onde podemos afirmar no presente momento, a subjetividade humana não faria falta. Portanto, qualquer significado que as pessoas atribuem à própria vida é apenas uma ilusão. Os sentidos sobrenaturais que os medievais encontravam em sua vida eram não mais ilusórios do que os sentidos humanistas, nacionalistas e capitalistas que as pessoas de hoje encontram. O cientista que afirma que sua vida tem sentido porque ele contribui para um aumento no conhecimento humano, o soldado que declara que sua vida tem sentido porque ele luta para defender sua terra natal e o empreendedor que encontra sentido em construir uma nova empresa são não menos iludidos do que seus semelhantes medievais que encontravam sentido lendo as Escrituras, participando de uma Cruzada ou construindo uma nova catedral.
Então, talvez a felicidade seja sincronizar nossas ilusões pessoais de sentido com as ilusões coletivas predominantes. Contanto que minha narrativa pessoal esteja alinhada com as narrativas das pessoas à minha volta, posso me convencer de que minha vida tem sentido e encontrar felicidade nessa convicção. Essa é uma conclusão um tanto deprimente. A felicidade realmente depende de autoilusão?
Yuval Noah Harari, in Sapiens – Uma breve história da humanidade

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