Chegou
exausta, cheia de sacolas, de dor de cabeça, morta de calor,
faminta, caótica, e com um firme propósito: tomar um banho e cair
na cama. Encontrou uma acalorada discussão a respeito da
impossibilidade de se dividir um computador em três (sem
despedaçá-lo) e as três crianças aos berros. Todas as luzes da
casa estavam acesas. A pressão subiu um pouco.
— Vocês
querem fazer o favor de apagar as luzes enquanto eu tomo o meu banho?
Inútil.
Todos os membros da família foram acometidos da síndrome de pensar
em outra coisa, mal muito comum entre maridos e filhos durante
reclamações, queixas, opiniões etc.
Saiu
pela casa desligando tudo o que estava aceso para nada: lâmpadas,
som, TV, internet...
— Por
isso que eu liguei pra cá e só deu ocupado o dia inteiro!
— O
quê?
Nada.
Já tinha desistido de competir com o walkman havia muito tempo. No
quarto da filha mais velha, dezenove blusas, cinco saias e quatro
vestidos estavam espalhados em cima da cama para a devida apreciação
da mesma.
— Vai
sair?
—
Desisti. Não tenho roupa.
A
pressão subiu vertiginosamente. Bobagem. Nada que um banho não
resolvesse.
— Esse
jantar não sai hoje não?
Esquece
o banho.
— Sopa
de novo?
Calma.
— Argh!
Respira.
— Por
que eu não tenho copo?
Palpitação
moderada. Coisa controlável. Foi buscar o copo.
—
Aproveita que tá na cozinha e frita um
ovo pra mim?
Claro.
Fritar ovo inclusive é uma ótima terapia ocupacional pra quem já
passou por dois engarrafamentos, banco, pediatra, ginástica,
supermercado, uma papelaria entupida de mães comprando material
escolar e cinco reuniões de trabalho. Normal.
— Você
não sabe que eu só gosto de gema mole?
Teve
uma leve síncope nervosa, mas conseguiu se controlar. Afinal, a
culpa era dela. Como podia ter cometido um erro tão grave? Era óbvio
que a mais velha e a do meio gostavam de gema mole (muito sal para a
primeira, pouco para a segunda), a menor preferia ovo mexido (sal no
ponto), o marido não suportava gema... Ou não suportava clara? Quem
gostava de omelete? Qual das crianças teve sarampo? Quem foi que
quebrou a perna?
Bateram
na porta. Era o porteiro pra avisar que ia faltar água. Ameaça de
enfarte. Passou, graças a Deus. Voltou quando alguém espatifou a
jarra de suco no chão. (Dessa vez foi de miocárdio.) A menorzinha
disse que foi a mais velha. A mais velha disse que foi a do meio. A
do meio disse: tudo eu! E trancou-se no quarto, de onde só saía em
último caso, um incêndio ou um telefonema, por exemplo. O telefone
tocou.
—
Alguém pode atender enquanto eu limpo o
chão ou limpar o chão enquanto eu atendo?
Todos
os membros da família foram acometidos de um acesso de paralisia
generalizada (espécie de praga que costuma ser causada pela presença
da mãe no recinto) acompanhado de mudez instantânea. Acontece. Ela
atendeu o telefone, era engano, limpou o chão, voltou para a mesa, a
sopa tinha esfriado. Melhor. Comer engorda.
— O
ar-condicionado do meu quarto quebrou.
— Você
lembrou de comprar o meu livro de inglês?
— Não
tem geleia não, é?
— O
cachorro fez xixi na minha colcha.
— Por
que eu não tenho garfo?
O
telefone tocou de novo. Nova palpitação seguida de falta de ar
súbita. Era para a menor.
— A
Júlia pode dormir aqui hoje?
Pode.
— A
mamãe deixou. Desce daqui a dez minutos que a gente passa aí pra te
pegar.
Ligeiro
formigamento no braço esquerdo. Angina? Isquemia? Talvez. Saiu de
casa com o firme propósito de pegar a Júlia, voltar correndo, ir
direto tomar um banho e cair na cama.
—
Aproveita que vai sair e passa na
locadora pra devolver os filmes.
—
Aproveita que vai passar na locadora e
compra o meu remédio na farmácia.
Casa
da Júlia. Locadora. Farmácia. Ia ter que deixar o enfarte e o banho
pra mais tarde.
Adriana
Falcão, In O doido da garrafa
Prezado Elilson Batista, tenho lido algumas matérias do seu blog. Gostei muito da caricatura desta postagem ( http://rapaduracult.blogspot.com.br/2017/08/um-dia-de-mae.html ). Farei uma palestra (sem fins lucrativos) sobre o Dia das Mães e, caso você autorize, pretendo usá-la como ilustração, preservando seus créditos.
ResponderExcluirAguardo seu retorno.
Grato.
Paulo Jorge
pjprobr@gmail.com
Prezado Paulo Jorge, pode usar a ilustração, que não é minha. Não dei oo crédit ao autor, pois não consegui a identificação na internet. Um abraço.
ResponderExcluirPrezado Paulo Jorge, pode usar a ilustração, que não é minha. Não dei crédito ao autor, pois não consegui identificar o autor na internet. Um abraço.
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