Havendo
a lei de Moisés autorizado que se comessem, dentre os animais
habitantes das águas, aqueles providos de barbatanas, o pobre
pescador, ao divisar uma baleia, dispôs-se a ingeri-la. Guardaria em
seu casebre o que sobrasse da refeição, e devia ser muito, para
ulterior aproveitamento.
A
baleia, aparentando ser de boa índole, mostrou-se disposta a
satisfazê-lo, mediante contrato. Ela também sentia fome, e por isso
começaria comendo o pescador, que, já no seu ventre, a iria comendo
pouco a pouco. A proposta foi aceita, e o animal, atenciosamente,
evitou mastigar a carne do contratante, que por sua vez prometeu ser
gentil na manducação interna.
O
ventre da baleia era tenebroso, atravancado de volumes que
incomodavam o pescador. Eram formas que se moviam, e ele distinguiu
entre elas seres vivos, homens e peixes ansiosos por libertação.
Estavam todos reduzidos a cativeiro, por haverem prestado fé à
palavra da baleia. O pescador percebeu que devia incorporar-se ao
grupo na tentativa de buscar o caminho de saída, fosse ele qual
fosse. Mas os que estavam lá dentro havia muito tempo, declarando-se
sem forças para agir, acharam de bom aviso devorar o pescador, para
que melhor enfrentassem a situação. O que foi feito, apesar de seus
protestos.
Carlos
Drummond de Andrade, in Contos Plausíveis
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