O
homem recusa o mundo tal como ele é, sem aceitar o eximir-se a esse
mesmo mundo. Efetivamente os homens gostam do mundo e, na sua imensa
maioria, não querem abandoná-lo. Longe de quererem esquecê-lo,
sofrem, sempre, pelo contrário, por não poderem possuí-lo
suficientemente, estranhos cidadãos do mundo que são, exilados na
sua própria pátria. Exceto nos momentos fulgurantes da plenitude,
toda a realidade é para eles imperfeita. Os seus atos escapam-lhes
noutros atos; voltam a julgá-los assumindo feições inesperadas;
fogem, como a água de Tântalo, para um estuário ainda
desconhecido. Conhecer o estuário, dominar o curso do rio, possuir
enfim a vida como destino, eis a sua verdadeira nostalgia, no ponto
mais fechado da sua pátria. Mas essa visão que, ao menos no
conhecimento, finalmente os reconciliaria consigo próprios, não
pode surgir; se tal acontecer, será nesse momento fugitivo que é a
morte; tudo nela termina. Para se ser uma vez no mundo, é preciso
deixar de ser para sempre.
Neste
ponto nasce essa desgraçada inveja que tantos homens sentem da vida
dos outros. Apercebendo-se exteriormente dessas existências,
emprestam-lhes uma coerência e uma unidade que elas não podem ter,
na verdade, mas que ao observador parecem evidentes. Este não vê
mais que a linha mais elevada dessas vidas, sem adquirir consciência
do pormenor que as vai minando. Então fazemos arte sobre essas
existências. Romanceamo-las de maneira elementar. Cada um, nesse
sentido, procura fazer da sua vida uma obra de arte. Desejamos que o
amor perdure e sabemos que tal não acontece; e ainda que, por
milagre, ele pudesse durar uma vida inteira, seria ainda assim um
amor imperfeito. Talvez que, nesta insaciável necessidade de
subsistir, nós compreendêssemos melhor o sofrimento terrestre, se o
soubéssemos eterno. Parece que, por vezes, as grandes almas se
sentem menos apavoradas pelo sofrimento do que pelo fato de este não
durar. À falta de uma felicidade incansável, um longo sofrimento ao
menos constituiria um destino. Mas não; as nossas piores torturas
terão um dia de acabar. Certa manhã, após tantos desesperos, uma
irreprimível vontade de viver virá anunciar-nos que tudo acabou e
que o sofrimento não possui mais sentido do que a felicidade.
Albert
Camus, in
O Homem Revoltado
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