Um
fotógrafo-artista me disse outra vez: Veja que
pingo
de sol no couro de um lagarto é para nós mais
importante
do que o sol inteiro no corpo do mar.
Falou
mais: que a importância de uma coisa não se
mede
com fita métrica nem com balanças nem com
barômetros
etc. Que a importância de uma coisa há
que
ser medida pelo encantamento que a coisa produza
em
nós. Assim um passarinho nas mãos de uma criança
é
mais importante para ela do que a Cordilheira dos
Andes.
Que um osso é mais importante para
o
cachorro do que uma pedra de diamante. E um dente
de
macaco da era terciária é mais importante para os
arqueólogos
do que a Torre Eiffel. (Veja que só um
dente
de macaco!) Que uma boneca de trapos que abre
e
fecha os olhinhos azuis nas mãos de uma criança é
mais
importante para ela do que o Empire State
Building.
Que o cu de uma formiga é mais importante
para
o poeta do que uma Usina Nuclear. Sem precisar
medir
o ânus da formiga. Que o canto das águas e das
rãs
nas pedras é mais importante para os músicos do
que
os ruídos dos motores da Fórmula 1. Há um
desagero
em mim de aceitar essas medidas. Porém não
sei
se isso é um defeito do olho ou da razão. Se é
defeito
da alma ou do corpo. Se fizerem algum exame
mental
em mim por tais julgamentos, vão encontrar
que
eu gosto mais de conversar sobre restos de comida
com
as moscas do que com homens doutos.
Manoel
de Barros
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