Tem
uma crônica do Paulo Mendes Campos em que ele conta de um amigo que
sofria de pressão alta e era obrigado a fazer uma dieta rigorosa.
Certa vez, no meio de uma conversa animada de um grupo, durante a
qual mantivera um silêncio triste, ele suspirou fundo e declarou:
– Vocês
ficam ai dizendo que bom mesmo é mulher. Bom mesmo é sal!
O
que realmente diferencia os estágios da experiência humana nesta
Terra é o que o homem, a cada idade, considera bom mesmo. Não
apenas bom. Melhor do que tudo. Bom MESMO.
Um
recém-nascido, se pudesse participar articuladamente de uma conversa
com homens de outras idades, ouviria pacientemente a opinião de cada
um sobre as melhores coisas do mundo e no fim decretaria:
– Conversa.
Bom mesmo é mãe.
Depois
de uma certa idade, a escolha do melhor de tudo passa a ser mais
difícil. A infância é um viveiro de prazeres. Como comparar, por
exemplo, o orgulho de um pião bem lançado, o volume voluptuoso de
uma bola de gude daquelas boas entre os dedos, o cheiro da terra
úmida e o cheiro de caderno novo?
– Bom
mesmo é o cheiro de Vick VapoRub.
Mas
acho que, tirando-se uma média das opiniões de pré-adolescentes
normais brasileiros, se chegaria fatalmente à conclusão de que
nesta fase bom mesmo, melhor do que tudo, melhor até do que fazer
xixi na piscina, é passe de calcanhar que dá certo.
Mais
tarde a gente se sente na obrigação de pensar que bom mesmo é
mulher (ou prima, que é parecido com mulher), mas no fundo ainda
acha que bom mesmo é acordar na segunda-feira com febre e não
precisar ir à aula.
Depois,
sim, vem a fase em que não tem conversa. Bom mesmo é sexo!
Esta
fase dura geralmente até o fim da vida, mesmo quando o sexo precisa
disputar a preferência com outras coisas boas (“Pra mim é sexo em
primeiro e romance policial em segundo, mas longe”). Quando alguém
diz que bom mesmo é outra coisa, está sendo exemplarmente honesto
ou desconcertantemente original.
– Bom
mesmo é figada com queijo.
– Melhor
do que sexo?
– Bom...
Cada coisa na sua hora.
Com
a chamada idade madura, embora persista o consenso de que nada se
iguala ao prazer, mesmo teórico, do sexo, as necessidades do
conforto e os pequenos prazeres da vida prática vão se impondo.
– Meu
filho, eu sei que você aí, tão cheio de vida e de entusiasmo, não
vai compreender isto. Mas tome nota do que eu digo porque um dia você
concordará comigo: bom mesmo é escada rolante.
E
esta é a trajetória do homem e seu gosto inconstante sobre a Terra,
do colo da mãe, que parece que nada, jamais, substituirá, à
descoberta final de que uma boa poltrona reclinável, se não é
igual, é parecido. E que bom, mas bom MESMO, é nunca mais ser
obrigado a ir a lugar nenhum, mesmo sem febre.
Luis Fernando Veríssimo, em Comédias para se ler na escola
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