– Você
já comeu gato por lebre? perguntaram-me devido a meu ar um pouco
distraído.
Respondi:
– Como
gato por lebre a toda hora. Por tolice, por distração, por
ignorância. E até às vezes por delicadeza: me oferecem gato e
agradeço a falsa lebre, e quando a lebre mia, finjo que não ouvi.
Porque sei que a mentira foi para me agradar. Mas não perdoo muito
quando o motivo é de má-fé.
Mas
a variedade do assunto está exigindo uma enciclopédia. Por exemplo,
quando o gato se imagina lebre. Já que se trata de gato
profundamente insatisfeito com a sua condição, então lido com a
lebre dele: é direito de gato querer ser lebre.
E
há casos em que o gato até que quer ser gato mesmo, mas lebresse
oblige, o que cansa muito.
Há
também os que não querem admitir que gostam mesmo é de gato,
obrigando-nos a achar que é lebre, e aceitamos só para poder comer
em paz com tempos e costumes.
Num
tratado sobre o assunto, um professor de melancolia diria que já
serviu de lebre a muito gato ordinário. Um professor de irritação
diria uma coisa que não se publica.
Tenho
mesmo vergonha é quando não aceito lebre pensando que era gato. (Há
um provérbio que diz: é melhor ser enganado por um amigo do que
desconfiar dele.) É o preço da desconfiança.
Mas
na verdade, quando aceito gato por lebre, o problema verdadeiro é de
quem me ofereceu, pois meu erro foi apenas o de ser crédula.
Estou
gostando de escrever isto. É que várias lebres andaram miando pelos
telhados, e tive agora a oportunidade de miar de volta. Gato também
é hidrófobo.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
Nenhum comentário:
Postar um comentário