domingo, 12 de fevereiro de 2023

União, gente


Nunca se despreze o poder de uma ideia cuja hora chegou. Minha rebelião contra a salsinha ganha adeptos e, a julgar pela correspondência que recebo, esta era uma causa à espera do primeiro grito. Só não conseguimos ainda nos organizar e partir para a mobilização — manifestações de rua, abraços a prédios públicos — porque persiste uma certa indefinição de conceitos. Eu sustento que “salsinha” é nome genérico para tudo que está no prato só para enfeite ou para confundir o paladar, o que incluiria até aqueles galhos de coisa nenhuma espetados no sorvete, o cravo no doce de coco, etc. Outros, com mais rigor, dizem que salsinha é, especificamente, o verdinho picadinho que você não consegue raspar de cima da batata cozida, por exemplo, por mais que tente. Outros, mais abrangentes até do que eu, dizem que salsinha é o nome de tudo que é persistentemente supérfluo em nossas vidas, da retórica ao porta-aviões, passando pelo cheiro-verde. Meu conselho é que evitemos a metáfora e a disputa semântica e, unidos pela mesma implicância, passemos à ação. Para começar, sugiro um almoço informal com o presidente da República, em Brasília, para discutir a gravidade da questão, que certamente não merece menos atenção do que as novelas da Globo.
Mas, como se esperava, começou a reação dos pró-salsinhas. Alegam que a salsinha não é uma inconsequência culinária mas tem importância gastronômica reconhecida, tanto que na cozinha francesa o persillé faz parte do nome do prato — isto é, eles não só usam a salsinha como a anunciam! Não se deve esquecer que os franceses também têm um nome elegante, faisandé, para comida podre. E não podia faltar: um salsófilo renitente, o jornalista Reali Jr., alega que a salsinha é, inclusive, afrodisíaca. Como Reali Jr. é um notório frequentador de restaurantes árabes em Paris e muitos pratos da cozinha árabe, como se sabe, são só salsinha (com salsinha em cima), seu argumento fanatizado pode ser desqualificado como golpe baixo. Agora só falta dizerem que o verde intrometido tem vitamina V.

Luís Fernando Veríssimo, in A mesa voadora

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