Meu
pai ficou atônito com o desenlace, e quer-me parecer que não morreu
de outra coisa. Eram tantos os castelos que engenhara, tantos e
tantíssimos os sonhos, que não podia vê-los assim esboroados, sem
padecer um forte abalo no organismo. A princípio não quis crê-lo.
Um Cubas! um galho da árvore ilustre dos Cubas! E dizia isto com tal
convicção, que eu, já então informado da nossa tanoaria, esqueci
um instante a volúvel dama, para só contemplar aquele fenômeno,
não raro, mas curioso: uma imaginação graduada em consciência.
– Um
Cubas! repetia-me ele na seguinte manhã, ao almoço.
Não
foi alegre o almoço; eu próprio estava a cair de sono.
Tinha
velado uma parte da noite. De amor? Era impossível; não se ama duas
vezes a mesma mulher, e eu, que tinha de amar aquela, tempos depois,
não lhe estava agora preso por nenhum outro vínculo, além de uma
fantasia passageira, alguma obediência e muita fatuidade. E isto
basta a explicar a vigília; era despeito, um despeitozinho agudo
como ponta de alfinete, o qual se desfez, com charutos, murros,
leituras truncadas, até romper a aurora, a mais tranquila das
auroras.
Mas
eu era moço, tinha o remédio em mim mesmo. Meu pai é que não pôde
suportar facilmente a pancada. Pensando bem, pode ser que não
morresse precisamente do desastre; mas que o desastre lhe complicou
as últimas dores, é positivo.
Morreu
dai a quatro meses, – acabrunhado, triste, com uma preocupação
intensa e contínua, à semelhança de remorso, um desencanto mortal
que lhe substituiu os reumatismos e tosses. Teve ainda uma meia hora
de alegria; foi quando um dos ministros o visitou. Vi-lhe, –
lembra-me bem –, vi-lhe o grato sorriso de outro tempo, e nos olhos
uma concentração de luz, que era por assim dizer, o último lampejo
da alma expirante. Mas a tristeza tomou logo, a tristeza de morrer
sem me ver posto em algum lugar alto, como aliás me cabia.
– Um
Cubas!
Morreu
alguns dias depois da visita do ministro, uma manhã de maio, entre
os dois filhos, Sabina e eu, e mais o tio Ildefonso e meu cunhado.
Morreu sem lhe poder valer a ciência dos médicos, nem o nosso amor,
nem os cuidados, que foram muitos, nem coisa nenhuma; tinha de
morrer, morreu.
– Um
Cubas!
Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas
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