sábado, 15 de outubro de 2022

A morte do pai I

O velório de meu pai foi um hambúrguer frio. Eu me sentei defronte da casa mortuária, no Alhambra, e tomei um café. Seria um pulo de carro até o hipódromo depois que acabasse. Um homem com um rosto esfolado terrível, óculos muito redondos com lentes grossas, entrou.
Henry – me disse, e sentou-se e pediu um café.
Oi, Bert.
Seu pai e eu nos tornamos grandes amigos. A gente falava muito de você.
Eu não gostava do meu velho – eu disse.
Seu pai amava você, Henry. Esperava que você se casasse com Rita. – Era a filha dele. – Ela está saindo com o cara mais legal agora, mas ele não excita ela. Ela parece ter uma queda por impostores. Eu não entendo. Mas deve gostar dele um pouco – disse, animando-se –, porque esconde o filho no armário quando ele chega.
Vamos, Bert, vamos embora.
Atravessamos a rua e entramos na casa mortuária. Alguém dizia que meu pai tinha sido um bom homem. Me deu vontade de contar a eles o outro lado. Depois alguém cantou. Nós desfilamos diante do caixão. Talvez eu cuspa nele, pensei.
Minha mãe morrera. Eu a enterrara um ano antes, fora às corridas e depois trepara. A fila andou. Aí uma mulher gritou:
Não, não, não! Ele não pode estar morto!
Enfiou a mão no caixão, ergueu a cabeça dele e beijou-o. Ninguém a deteve. Ela pôs os lábios nos dele. Peguei meu pai e a mulher pelo pescoço e separei-os. Meu pai caiu de volta no caixão e a mulher foi levada para fora, tremendo.
Era a namorada de seu pai – disse Bert.
Nada mal – eu disse.
Quando desci os degraus após o serviço, a mulher estava à espera. Correu para mim.
Você se parece exatamente com ele! Você é ele!
Não – eu disse –, ele está morto, e eu sou mais jovem e melhor.
Ela me abraçou e beijou. Enfiei a língua entre os lábios dela. E recuei.
Pronto, pronto – disse em voz alta –, se contenha!
Ela tornou a me beijar e desta vez eu enfiei a língua mais fundo. O pênis começou a ficar duro. Vieram uns homens e umas mulheres para levá-la.
Não – ela disse –, eu quero ir com ele. Preciso conversar com o filho dele!
Vamos, Maria, por favor, venha conosco!
Não, não, preciso falar com o filho dele!
Você se incomoda? – perguntou um homem.
Tudo bem – eu disse.
Maria entrou em meu carro e fomos para a casa de meu pai. Abri a porta e entramos.
Dê uma olhada – eu disse. – Pode pegar qualquer coisa dele que queira. Eu vou tomar um banho. Velórios me fazem suar.
Quando voltei, Maria estava sentada na beira da cama de meu pai.
Oh, está usando o roupão dele!
Agora é meu.
Ele simplesmente adorava esse roupão. Dei a ele no Natal. Ele tinha tanto orgulho dele! Disse que ia vestir e andar pelo quarteirão pra todos os vizinhos verem.
Fez isso?
Não.
É um ótimo roupão. Agora é meu.
Peguei um maço de cigarros da mesinha de cabeceira.
Oh, são os cigarros dele!
Quer um?
Não.
Acendi um.
Há quanto tempo conhecia ele?
Cerca de um ano.
E não descobriu?
Descobriu o quê?
Que ele era um homem ignorante. Cruel. Patriótico. Com fome de dinheiro. Mentiroso. Covarde. Um impostor.
Não.
Estou surpreso. Você parece uma mulher inteligente.
Eu amava seu pai, Henry.
Quantos anos você tem?
Quarenta e três.
Está bem conservada. Tem belas pernas.
Obrigada.
Pernas sexy.
Fui à cozinha, peguei uma garrafa de vinho do armário, saquei a rolha, peguei duas taças e voltei. Servi um drinque para ela e entreguei-lhe a taça.
Seu pai falava muito de você.
É?
Dizia que você não tinha ambição.
Tinha razão.
É mesmo?
Minha única ambição é não ser nada, parece a coisa mais sensata.
Você é estranho.
Não, meu pai é que era. Me deixa servir outro drinque pra você. É um bom vinho.
Ele disse que você era um bebum.
Está vendo, consegui alguma coisa.
Você se parece muito com ele.
Só na superfície. Ele gostava de ovos moles, eu gosto duros. Ele gostava de companhia, eu gosto de solidão. Ele gostava de dormir à noite, eu gosto de dormir de dia. Ele gostava de cachorros, eu puxava as orelhas deles e enfiava fósforos no rabo deles. Ele gostava do emprego, eu gosto de vagabundar.
Estendi os braços e agarrei-a. Abri os lábios, enfiei a boca na dela e comecei a sugar o ar dos pulmões dela. Cuspi pela garganta dela abaixo e passei o dedo pelo rego da bunda dela. Separamo-nos.
Ele me beijava com delicadeza – disse Maria. – Me amava.
Merda – eu disse –, minha mãe só estava há um mês debaixo do chão e ele já estava chupando seus peitos e dividindo o papel higiênico com você.
Ele me amava.
Bolas. O medo de ficar só levou ele pra sua vagina.
Ele dizia que você era um jovem amargo.
Diabos, sim. Veja o que eu tive como pai.
Suspendi o vestido dela e comecei a beijar as pernas. Comecei nos joelhos. Cheguei à parte interna da coxa e ela se abriu para mim. Mordi-a com força, e ela saltou e soltou um peido.
Oh, desculpe.
Está tudo bem – eu disse.
Servi outro drinque para ela, acendi um dos cigarros de meu pai morto e fui à cozinha buscar outra garrafa de vinho. Bebemos por mais uma hora ou duas. A tarde se tornava noite, mas eu estava cansado. A morte era tão chata. Isso era o pior sobre a morte. Era chata. Assim que acontecia, não se podia fazer nada. Não se podia jogar tênis com ela nem transformá-la numa caixa de bombons. Estava ali, como um pneu furado. A morte era estúpida. Enfiei-me na cama. Ouvi Maria tirar os sapatos, a roupa, depois a senti na cama a meu lado. Ela pôs a cabeça em meu peito e senti meus dedos esfregando atrás das orelhas dela. Depois meu pênis começou a subir. Ergui a cabeça dela e pus a boca na dela. Pus delicadamente. Depois peguei a mão dela e a pus em meu pau.
Eu tinha bebido vinho demais. Montei nela. Meti e meti. Chegava na beirinha, mas não conseguia. Estava dando a ela uma longa, suada e interminável foda. A cama rangia e saltava, rebolava e gemia. Maria gemia. Eu a beijava e beijava. Ela abria a boca em busca de ar.
Deus do céu – disse –, você está me FODENDO MESMO!
Eu só queria acabar, mas o vinho embotara o mecanismo. Acabei rolando para o lado.
Deus – ela disse. – Deus.
Começamos a nos beijar e começou tudo de novo. Tornei a montar. Desta vez, senti o clímax chegando devagar.
Oh – eu disse. – Oh, deus!
Finalmente consegui, me levantei, fui ao banheiro, saí fumando um cigarro e voltei à cama. Ela estava quase dormindo.
Meu deus – ela disse –, você me FODEU mesmo!
Dormimos.

De manhã me levantei, vomitei, escovei os dentes, gargarejei e abri uma garrafa de cerveja. Maria acordou e me olhou.
A gente fodeu? – perguntou.
Está falando sério?
Não. Estou querendo saber. A gente fodeu?
Não – eu disse. – Não aconteceu nada.
Maria foi ao banheiro e tomou um chuveiro. Cantava. Depois se enxugou e saiu. Me olhou.
Estou me sentindo como uma mulher que foi fodida.
Não aconteceu nada, Maria.
Nós nos vestimos e eu a levei a um café na esquina. Ela comeu linguiça com ovos mexidos, torrada de pão de trigo, café. Eu tomei um copo de suco de tomate e comi um bolinho.
Eu não consigo superar isso. Você se parece com ele.
Esta manhã, não, Maria, por favor.
Enquanto a observava enfiar os ovos mexidos, linguiça e torrada (coberta de geleia de morango) na boca, percebi que tínhamos perdido o enterro. Tínhamos esquecido de ir ao cemitério ver o velho jogado no buraco. Eu queria ter visto isso. Era a única parte boa da coisa. Não tínhamos nos juntado ao préstito fúnebre, e em vez disso tínhamos ido à casa de meu pai e fumado seus cigarros e bebido seu vinho.
Maria levou um bocado particularmente grande de ovos mexidos amarelo vivo à boca e disse:
Você deve ter me fodido. Estou sentindo seu sêmen escorrendo pelas minhas pernas.
Oh, é apenas suor. Está quente esta manhã.
Vi-a enfiar a mão embaixo da mesa e embaixo do vestido. Um dedo voltou. Ela cheirou-o.
Isso não é suor, é sêmen.
Maria acabou de comer e saímos. Ela me deu seu endereço e eu a levei lá de carro. Estacionei no meio-fio.
Gostaria de entrar?
Agora, não. Preciso cuidar das coisas. A herança.
Maria curvou-se e me beijou. Tinha os olhos muito grandes, assustados, azedos.
Eu sei que você é muito mais jovem, mas eu podia amar você – ela disse. – Tenho certeza de que podia.
Quando chegou à porta, ela se virou. Ambos acenamos. Eu fui à primeira loja de bebidas, peguei meio litro e o Formulário das Corridas. Previa um bom dia no hipódromo. Eu sempre me saía melhor depois de um dia de folga.

Charles Bukowski, in Numa Fria

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