sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Samba da bênção | Baden Powell e Vinicius de Moraes, 1963


Lançado em 1966, o álbum Os afro-sambas é um marco divisor da música popular brasileira. Mas a revolução estética sintetizada nesse disco começara em 1962, quando o virtuoso violonista fluminense nascido Baden Powell de Aquino (1937-2000) começou a compor em parceria com Vinicius de Moraes. É desse período “Samba da bênção”, obra-prima de síntese rítmica e poesia popular de alta densidade, anunciando as inovações formais de Baden e Vinicius. O samba é um dos destaques do álbum Vinicius & Odette Lara, editado em 1963, ao lado de mais onze composições da então recém-inaugurada parceria, incluindo outros pioneiros afro-sambas como “Berimbau”, “Labareda” e “Deixa”.
Com suas canções impregnadas de magia, paixão e negritude, Baden e Vinicius avançaram muito além da já esgotada fórmula da bossa nova, que saía de moda no Brasil e começava sua brilhante carreira internacional. Os afro-sambas anunciavam o futuro bebendo no passado ancestral, abrindo trilhas que logo seriam seguidas por muitos outros, reaproximando o samba de suas fontes afro-baianas e mudando o rumo da música brasileira.
Na letra autobiográfica, o poeta se apresenta (“Eu, por exemplo, o capitão do mato / Vinicius de Moraes / Poeta e diplomata / O branco mais preto do Brasil / Na linha direta de Xangô, saravá!”) com uma declaração de identidade cultural e oferece um manual de vida:
É melhor ser alegre que ser triste / Alegria é a melhor coisa que existe / é assim como a luz no coração / Mas pra fazer um samba com beleza / É preciso um bocado de tristeza / senão não se faz um samba, não.”
Tão importante quanto a melodia simples sobre dois acordes e um ritmo irresistível é a parte falada, em que, sobre a base rítmica do violão de Baden, Vinicius homenageava amigos e mestres do passado e do presente pedindo-lhes a bênção: “A bênção, Dorival Caymmi, João Gilberto, Pixinguinha, Noel Rosa, Tom Jobim, Carlos Lyra, Nelson Cavaquinho, Cartola, Ary Barroso e muitos outros”, dedicando a cada um deles uma pequena declaração de amor, respeito e amizade.
Entre eles, o maestro Moacir Santos (“que não és um só, és tantos”) merece crédito à parte. Afinal, a gravação original de “Samba da bênção”, em Vinicius & Odette Lara, tinha arranjo e regência dele. Maestro, arranjador, orquestrador, saxofonista, compositor e também professor de dezenas de músicos da época, incluindo Baden Powell, Moacir já vinha procurando essa reconexão com a África em sua música, que foi reunida em seu fundamental primeiro álbum, Coisas (1965).
Sem espaço no Brasil, Moacir (1926-2006) foi viver e ensinar nos Estados Unidos em 1967 e nunca mais voltou.
Em 1966, com a versão em francês de Pierre Barouh e o título de “Saravá”, fez grande sucesso na França, cantada por Barouh no popularíssimo filme Um homem, uma mulher, de Claude Lelouch.
Em 2000, fez sucesso internacional em uma versão electrobossa de Bebel Gilberto.

Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil

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