terça-feira, 27 de setembro de 2022

Prescrições de Asclépio

Do mesmo jeito que entendemos quando ouvimos que Asclépio receitou exercitar com cavalos, banhar-se com água gelada ou caminhar descalço, devemos entender quando é dito que a natureza universal prescreveu a doença, a mutilação, a perda ou quaisquer outras eventualidades. No primeiro caso, um remédio foi receitado para o homem obter saúde. No segundo, o evento foi prescrito de uma maneira apropriada ao seu destino.
Pedras quadradas são apropriadas para as paredes e as pirâmides quando se encaixam e formam um tipo de conexão”, dizem os construtores. O mesmo se aplica aos eventos, pois há um cabimento singular para todos.
O cosmos é composto por todos os corpos para ser o corpo que é. Analogamente, o destino é constituído por todas as causas existentes para ser a causa que é. Até os ignorantes compreendem isso, pois costumam dizer que “o destino trouxe aquilo para tal pessoa”. Aliás, não só trouxe, como também prescreveu. Portanto, devemos receber esses fatos como recebemos as prescrições de Asclépio. Ainda que muitos sejam desagradáveis, devemos aceitá-los na esperança de nos curar.
Julgue os aperfeiçoamentos e os feitos que a natureza comum julga serem bons como sendo da mesma categoria que o seu bem-estar. Aceite tudo o que sucede, mesmo quando aparenta ser desagradável, pois tudo contribui para a saúde do universo e para a prosperidade e a felicidade de Zeus. Ele jamais traria para um indivíduo algo inútil para todos. Igualmente, nenhuma natureza, qualquer que seja, causaria algo inadequado àquilo que dirige.
Dois motivos para se contentar com as ocorrências:
I. Foram feitas e prescritas especificamente para você a partir das mais antigas causas tecidas juntas do seu destino.
II. Aquelas que advêm individualmente para cada homem contribuem para a felicidade, a perfeição e a continuidade do poder administrador do cosmos. A integridade do todo é mutilada ao seccionar uma parte da conjunção e da cadeia das partes ou das causas. Dentro do possível, você secciona quando está descontente e tenta remover uma ocorrência do trajeto.

Marco Aurélio, in Meditações

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