quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Quando for crescido quero ser como Rita

Esta Rita a quem quero parecer-me quando for crescido é Rita Levi-Montalcini, ganhadora do Prêmio Nobel de Medicina em 1984 pelas suas investigações sobre o desenvolvimento das células neurológicas. Ora, Prêmio Nobel é coisa que já tenho, logo não seria por ambição dessa grande ou pequena glória, as opiniões dos entendidos divergem, que estou disposto a deixar de ser quem tenho sido para tornar-me em Rita. De mais a mais estando eu numa idade em que qualquer mudança, mesmo quando prometedora, sempre se nos afigura um sacrifício das rotinas em que, mais ou menos, acabamos por nos acomodar.
E por que quero eu parecer-me a Rita? É simples. No ato do seu investimento como Doutora Honoris Causa na aula magna da Universidade Complutense, de Madrid, esta mulher, que em Abril completará cem anos, fez umas quantas declarações (pena que não tenhamos conseguido a transcrição completa do seu improvisado discurso) que me deixaram ora assombrado ora agradecido, posto que não é fácil imaginar juntos e unidos estes dois sentimentos extremos. Disse ela: “Nunca pensei em mim mesma. Viver ou morrer é a mesma coisa. Porque, naturalmente, a vida não está neste pequeno corpo. O importante é a maneira como vivemos e a mensagem que deixamos. Isso é o que nos sobrevive. Isso é a imortalidade”. E disse mais: “É ridícula a obsessão do envelhecimento. O meu cérebro é melhor agora do que foi quando eu era jovem. É verdade que vejo mal e oiço pior, mas a minha cabeça sempre funcionou bem. O fundamental é manter ativo o cérebro, tentar ajudar os outros e conservar a curiosidade pelo mundo”. E estas palavras que me fizeram sentir que havia encontrado uma alma gêmea: “Sou contra a reforma ou qualquer outro tipo de subsídio. Vivo sem isso. Em 2001 não cobrava nada e tive problemas econômicos até que o presidente Ciampi me nomeou senadora vitalícia”.
Nem toda a gente estará de acordo com este radicalismo. Mas aposto que muitos dos que me leem vão também querer ser como Rita quando crescerem. Que assim seja. Se o fizerem tenhamos a certeza de que o mundo mudará logo para melhor. Não é isso o que andamos a dizer que queremos? Rita é o caminho.
27 de outubro de 2008

José Saramago, in O caderno

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