quarta-feira, 28 de julho de 2021

Etiqueta da floresta

As árvores da floresta seguem um manual de etiqueta tácito, que dita sua aparência e o que devem fazer. Na idade adulta, um exemplar frondoso e disciplinado deve ter tronco ereto, com fibras internas de madeira completamente uniformes. As raízes se estendem de forma simétrica em todas as direções e se aprofundam na terra. Os galhos laterais, finos na juventude, já morreram e foram cobertos por casca fresca e madeira nova, apresentando assim um tronco longo e homogêneo. Apenas na extremidade superior é que se forma uma copa uniforme de galhos fortes que apontam para o céu como braços estendidos na diagonal. Uma árvore ideal como essa pode viver bastante. No caso das coníferas, as regras são semelhantes – a diferença é que os galhos da copa podem ser perpendiculares ou levemente curvados para baixo.
Mas para que tudo isso? As árvores se importam com a beleza? Não sei, mas existe um bom motivo para buscarem a aparência ideal: estabilidade. As grandes copas das árvores adultas ficam expostas a ventanias, tempestades e nevascas. A árvore precisa amortecer o impacto dessas forças e conduzi-las através do tronco até as raízes, que devem conter a maior parte da energia para impedir que a árvore tombe. Para isso, a raiz se agarra ao solo e às pedras. A violenta energia redirecionada de um vendaval pode atingir a base do tronco com uma força equivalente a 200 toneladas.11 Se a árvore tiver algum ponto fraco, ele pode se transformar em uma fissura e, em casos mais graves, quebrar o tronco. As árvores estáveis atenuam esse impacto de maneira uniforme, dissipando-o e distribuindo-o por sua estrutura.
No entanto, quem não segue o manual de etiqueta tem dificuldades. Se o tronco estiver curvado, por exemplo, terá problemas durante a hibernação. O enorme peso da copa não será bem distribuído pelo diâmetro do tronco e acabará pressionando apenas um lado da madeira. Para que o tronco não dobre, a árvore terá que fortalecer esse lado. Quando precisar se valer desse mecanismo, surgirão anéis especialmente escuros no tronco (nos pontos onde armazena menos ar e mais substâncias).
A situação das árvores de tronco bifurcado, ou em forquilha, é ainda pior. Nesses casos, o tronco se divide em determinado ponto, e a partir daí as duas partes crescem lado a lado. Quando bate um vento forte, as partes, cada uma com sua copa, balançam e forçam o ponto de bifurcação. Se ele tiver a forma de U, normalmente não há problema, e nada acontece, mas se a forquilha for em forma de V podem surgir complicações, pois o ponto de convergência será muito pontudo, e não dará uma base de sustentação larga o suficiente para que a árvore suporte a força do vento. Ela acaba se partindo onde o tronco se divide.
Isso pode causar dificuldades para a árvore. Depois da quebra ela cria uma protuberância na região afetada para que não haja outro rompimento quando voltar a crescer. No entanto, em geral essa tática é inútil, e o ponto de quebra passará a vazar continuamente um líquido que ganha uma coloração preta por causa das bactérias. Para piorar, a água começa a penetrar a fissura e provoca apodrecimento. Por isso, no caso de muitas forquilhas, quando a árvore se parte ao meio a metade mais estável permanece em pé. Essa meia árvore sobrevive no máximo algumas décadas. A ferida imensa e aberta não tem mais cura, e lentamente os fungos começam a devorá-la de dentro para fora.
Muitas árvores têm o tronco curvado como uma banana. Sua base cresce inclinada, e só mais tarde começam a crescer verticalmente. Elas ignoram o manual de etiqueta, e com frequência é possível encontrar partes inteiras de uma floresta com tronco curvado. Será que, nesse caso, as leis da natureza estão sendo ignoradas? Não. Muito pelo contrário: é o entorno que as obriga a crescer dessa forma.
Isso acontece, por exemplo, nas partes elevadas de montanhas pouco antes dos limites da floresta. Em certos lugares com inverno rigoroso, a neve costuma atingir alguns metros de altura, e sempre há deslizamentos. E não precisam ser avalanches: mesmo em repouso a neve se desloca lentamente vale abaixo, em um movimento imperceptível aos nossos olhos. Com isso, acaba curvando as árvores, ao menos as mais jovens. No caso das menores, isso não é uma tragédia, pois elas voltam a se aprumar depois do derretimento da neve e não sofrem ferimento algum. No entanto, nas de crescimento médio, com alguns metros de altura, o tronco é danificado ou, no pior dos casos, fica retorcido ou até se quebra. A partir de então tentam crescer verticalmente, mas, como crescem a partir da ponta superior, a base permanece na mesma posição. No inverno seguinte, a árvore é entortada outra vez pela neve, mas quando cresce é em linha reta.
Se isso se repetir por muitos anos, aos poucos a árvore é moldada e ganha o formato de um sabre. Só com o passar do tempo o tronco engrossa o bastante e fica tão estável que a neve não consegue mais danificá-lo. Com isso, a parte torta inferior permanece curva, enquanto a superior fica reta como nas árvores normais.
Em encostas, a árvore também pode crescer dessa forma mesmo sem a pressão da neve. Nesse caso, talvez a causa seja o solo, que ao longo dos anos desliza de maneira extremamente lenta para o fundo do vale. Quase sempre o terreno desce apenas poucos centímetros por ano. Com isso, as árvores deslizam e se inclinam enquanto continuam crescendo para cima.
É possível observar a versão extrema desse fenômeno no Alasca e na Sibéria, lugares onde a camada de solo permanentemente congelado começa a derreter por causa da mudança climática. As árvores perdem o apoio e se desequilibram no solo enlameado. Cada espécime se inclina em uma direção, e a floresta lembra um bando de bêbados cambaleantes.
Nos limites da floresta, a regra que dita o crescimento reto dos troncos perde força. Ao contrário do que acontece no centro da floresta, a luz também incide de lado, atravessando qualquer local sem árvore, como uma pradaria ou um lago. Dessa forma, árvores menores podem sair de baixo das grandes e crescer na direção do terreno aberto. As frondosas podem curvar seu tronco e deslocar sua copa em até 10 metros, inclinando o broto principal de maneira quase horizontal. Claro que, com esse movimento, a árvore corre o risco de quebrar numa nevasca. No entanto é melhor uma vida curta mas com luz suficiente para a reprodução do que não viver.
Enquanto a maioria das árvores frondosas aproveita a oportunidade, grande parte das coníferas é teimosa: só cresce diretamente para cima e em linha reta, contra a gravidade, formando um tronco perfeito e estável. Somente os galhos laterais às margens da floresta podem ficar mais grossos e longos com a incidência da luz. O pinheiro é a única conífera que desloca a copa. Não surpreende que, entre esse grupo de espécies, seja a que apresenta a maior taxa de rompimento sob o peso da neve.

Peter Wohllben, in A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam

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