domingo, 13 de junho de 2021

A teia

Georges Bataille tentava, mas não conseguia lembrar onde tinha guardado as Passagens, que Walter Benjamin lhe confiara antes de partir para a Espanha. Acordou, no meio de uma noite agitada e pensou: o ato sexual é, no tempo, o que o tigre é no espaço. Não sabia, a princípio, qual a relação entre essa ideia e os manuscritos de Benjamin. Voltou a adormecer e, de manhã, enquanto preparava o café, lembrou-se. Guardara tudo na mesma prateleira onde estavam os livros de Herman Melville em espanhol. Como várias vezes acontece, sua mente operara a teia sem que ele mesmo soubesse.
A caça à baleia branca era, no tempo e no espaço, o sexo e o tigre. E Walter Benjamin lhe dera as pistas, quando disse, alguns dias antes de partir e, misteriosamente, desaparecer (para sempre, soube-se depois): “Georges, eu vou, mas na verdade fico. Tudo, para o verdadeiro colecionador, se funde numa enciclopédia mágica, cuja quintessência é o destino do seu objeto”. Bataille entendeu então a lógica que unia Moby Dick, o tigre, o sexo e o livro das Passagens e, nessa noite, seu sono, embora intermitente, foi menos agitado.

Noemi Jaffe, in Não está mais aqui quem falou

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