segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

O Pequod encontra o Solteiro

          E muito animadas foram as cenas e as vozes que se aproximaram a barlavento, algumas poucas semanas depois de o arpão de Ahab ter sido soldado.
Era um navio de Nantucket, o Solteiro, que acabara de armazenar seu último tonel de óleo e trancar as escotilhas abarrotadas; e agora, em belos trajes de festa, alegre, embora um tanto vangloriosamente, navegava por entre os navios distantes uns dos outros da região, antes de aproar à pátria.
Os três homens no topo de mastro usavam compridas flâmulas de uma estreita estamenha vermelha em seus chapéus; à popa, um bote estava suspenso, de casco para cima; e balançando sob o gurupés cativa via-se a comprida mandíbula inferior da última baleia morta. Sinais, insígnias e bandeiras de todas as cores tremulavam no cordame por todos os lados. Amarrados à lateral de cada um dos três cestos da gávea estavam dois barris de espermacete; acima dos quais, nos vaus dos mastaréus correspondentes, você encontraria barricas menores do mesmo líquido precioso; e, pregada à borla principal, uma lamparina de bronze.
Como depois soubemos, o Solteiro tivera o mais surpreendente êxito; tanto mais maravilhoso quanto, cruzando as mesmas águas, outros navios não houvessem conseguido capturar um único peixe durante meses. Não apenas dispensara barris de carne e pão para dar lugar ao muito mais valioso espermacete, como também fizera permutas para conseguir barricas suplementares dos navios que encontrara; estas ficaram empilhadas no convés e nos camarotes particulares do capitão e dos oficiais. Mesmo a mesa do camarote se acabou em lenha; e as refeições no camarote foram servidas no grande tampo de um tonel, preso ao assoalho à guisa de móvel de centro. No castelo de proa os marinheiros haviam calafetado e pichado até suas arcas para enchê-las; dizia-se também, em tom de brincadeira, que o cozinheiro pusera uma tampa em seu maior caldeirão para enchê-lo; que o camareiro vedara a cafeteira sobressalente para enchê-la; que os arpoadores viraram a embocadura dos arpões para enchê-los; e que, na verdade, tudo estava cheio de espermacete, exceto os bolsos das calças do capitão e os que ele reservara para enfiar as mãos, como complacente testemunho de sua mais absoluta satisfação.
Quando esse alegre navio de boa sorte veio ao encontro do taciturno Pequod, o ritmo bárbaro de imensos tambores chegava de seu castelo de proa; e, aproximando-se ainda mais, viu-se um grupo de homens de pé ao redor dos caldeirões do forno, cobertos dos pergaminhos de poke, a pele do estômago de peixe preto, que despendia altos gritos a cada batida dos punhos cerrados da tripulação. No tombadilho superior, imediatos e arpoadores dançavam com moças de pele azeitonada que haviam fugido com eles das Ilhas Polinésias; enquanto, suspensos em botes enfeitados, firmemente amarrados no alto, entre o mastro de proa e o mastro principal, três pretos de Long Island, com cintilantes arcos de violino de marfim de baleia, conduziam a giga hilária. Enquanto isso, outros membros da tripulação ocupavam-se tumultuosamente da alvenaria do forno, de onde os imensos caldeirões haviam sido retirados. Quase se poderia pensar que estavam demolindo a amaldiçoada Bastilha, tão selvagem era a gritaria promovida, como se então estivessem lançando ao mar os tijolos e a argamassa imprestáveis.
Amo e senhor a dominar a cena, o capitão mantinha-se ereto no elevado tombadilho do navio, de modo que o alegre espetáculo se desenrolasse à sua frente e parecesse ter sido concebido tão-somente para a sua distração pessoal.
E Ahab, este também estava de pé em seu tombadilho, rústico e lúgubre, com uma obstinada melancolia; e quando os dois navios cruzaram as esteiras um do outro – um, cheio de alegria pelas coisas passadas, o outro, todo cheio de pressentimentos pelo que se sucederia – os dois capitães personificaram o pungente contraste da cena.
A bordo, a bordo!”, exclamou o alegre comandante do Solteiro, erguendo um copo e uma garrafa no ar.
Viste a Baleia Branca?”, rangeu Ahab em resposta.
Não, apenas ouvi falar dela; mas eu mesmo não acredito nela”, disse o outro de bom humor. “A bordo!”
Estás alegre demais para o meu gosto. Segue teu rumo. Perdeste homens?”
Nada que valha a pena mencionar – dois ilhéus, foi tudo; – mas venha a bordo, velho camarada, venha. Logo lhe tiro a tristeza do rosto. Venha, não quer? (o espetáculo é alegre); um navio cheio e a caminho de casa.”
É extraordinário como são amigáveis os idiotas!”, murmurou Ahab; e em voz alta, “És um navio cheio e a caminho de casa, dizes; pois bem, já eu sou navio vazio e correndo de casa. Assim, segue teu caminho, eu sigo o meu. Avante, vós! Largai todo o pano e mantende-vos ao vento!”
E assim, enquanto um navio seguia alegre em ventos favoráveis, o outro lutava obstinadamente contra ele; e assim as duas embarcações partiram; a tripulação do Pequod contemplando com olhares sérios e demorados o Solteiro que desaparecia; e os homens do Solteiro, porém, não desviando o olhar um instante sequer da alegre festa de que participavam. E enquanto Ahab, debruçado sobre as grades da popa, olhava para o navio de regresso à pátria, retirou do bolso um pequeno frasco de areia e, então, olhando do navio para o frasco, pareceu unir assim duas ideias distantes, visto que aquele frasco estava cheio de terra de Nantucket.

Herman Melville, in Moby Dick

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