terça-feira, 26 de maio de 2020

A grandeza da baleia diminuiu? – Ela se extinguirá?



Tanto quanto, então, esse Leviatã chegue até nós se debatendo desde as cabeceiras das Eternidades, seria apropriado indagar se, no longo suceder das gerações, ele não assistiu à degenerescência do tamanho original de seus antepassados.
Mas mediante investigação descobrimos não apenas que as baleias de nossos dias são superiores em magnitude àquelas cujos fósseis remanescentes são encontrados no sistema Terciário (que compreende um distinto período geológico anterior ao homem), mas também que as baleias encontradas nessas camadas terciárias, as que pertencem a suas formações mais recentes ultrapassam em grandeza as de formações mais antigas.
De todas as baleias pré-adâmicas já exumadas, de longe a maior é a do Alabama, mencionada no último capítulo, cujo esqueleto tinha menos de setenta pés de comprimento. No entanto, já vimos que a fita métrica mostra setenta e dois pés num esqueleto de uma baleia moderna de tamanho grande. E fiquei sabendo, por meio de baleeiros, que foram perseguidos Cachalotes com cerca de cem pés de comprimento no momento da captura.
Mas não seria possível, uma vez que as baleias de nosso tempo demonstram maior magnitude do que as de todos os períodos geológicos anteriores; não seria possível que desde os tempos de Adão elas tivessem degenerado?
Certamente, assim devemos concluir, se dermos crédito aos relatos de cavalheiros como Plínio, e aos naturalistas antigos em geral. Pois Plínio nos fala de baleias que abrangiam acres inteiros de massa presente, e Aldrovando, de outras que mediam oitocentos pés de comprimento – Alamedas Rope e Túneis do Tâmisa de Baleias! E mesmo nos dias de Banks e de Solander, os naturalistas de Cook, encontramos um membro Sueco da Academia de Ciências atribuindo a certas baleias da Islândia ( reydar-fiskur , ou Ventres Enrugados) cento e vinte jardas; isto é, trezentos e sessenta pés. E Lacépède, o naturalista Francês, em sua laboriosa história das baleias, no início da obra (à página 3), atribui a uma Baleia Franca cem metros, trezentos e vinte e um pés. A obra foi publicada em 1825 D. C.
Mas será que algum baleeiro acredita nessas histórias? Não. A baleia atual é tão grande quanto suas antecessoras no tempo de Plínio. E se algum dia eu for aonde Plínio estiver, eu, um baleeiro (mais do que ele já foi), tomarei a liberdade de lhe dizer isso. Porque não posso entender como é isso, que enquanto as múmias Egípcias enterradas milhares de anos antes de Plínio ter nascido não medem mais em seu sarcófago do que um moderno nativo de Kentucky de meias; que enquanto as vacas e outros animais esculpidos nas tabuletas mais antigas do Egito e de Nínive, pelas proporções relativas em que estão representados, provam do mesmo modo que uma vaca de raça, criada em bom pasto e premiada, de Smithfield, não apenas iguala como excede em grandeza a vaca mais gorda do Faraó; em face disso tudo, não posso admitir que dentre todos esses animais a baleia tenha sido o único a degenerar.
Mas resta ainda outra indagação; uma de causar alvoroço entre os mais reservados nativos de Nantucket. Talvez devido aos quase oniscientes vigias dos topos dos mastros dos navios baleeiros, varando mesmo o Estreito de Bering, e o interior das mais remotas gavetas e armários secretos do mundo; e aos milhares de arpões e lanças arremessados ao longo de todas as praias continentais; o ponto de discussão é se o Leviatã conseguirá resistir a uma caçada tão implacável, a uma matança tão impiedosa; se ele não será afinal exterminado dos oceanos, e a última baleia, como o último homem, fumará seu último cachimbo e evaporar-se-á na baforada final.
Comparando as manadas corcovadas de baleias às manadas corcovadas de búfalos, que, há menos de quarenta anos, cobriam às dezenas de milhares as pradarias de Illinois e de Missouri, e sacudiam suas crinas férreas e franziam suas testas de trovões coalhados diante de populosas capitais à beira-rio, onde agora um corretor bem-educado vende terras a um dólar a polegada; de tal comparação parece surgir um argumento irresistível, que nos mostra que a baleia perseguida já não pode escapar a uma rápida extinção.
No entanto, é preciso examinar a questão à luz de todos os aspectos. Ainda que há muito pouco tempo – nem sequer a duração de uma vida – o censo do búfalo de Illinois excedesse o censo de homens de Londres, e ainda que já não reste um único chifre ou casco em toda a região; e ainda que a causa desse extermínio assustador fosse a lança do homem; a natureza muito diversa da pesca de baleias não permite, em hipótese alguma, tão inglório fim para o Leviatã. Quarenta homens em um navio durante quarenta e oito meses à caça do Cachalote consideram-se mais do que felizardos e agradecem a Deus se por fim levarem para casa o óleo de quarenta peixes. Em contrapartida, na época dos velhos caçadores e armadilheiros do Oeste, canadenses e indígenas, quando o mais ermo Oeste (em cujo poente os sóis ainda se levantam) era inculto e virgem, o mesmo número de homens em seus mocassins, durante o mesmo número de meses, montados a cavalo em vez de engajados em navios, teria matado não quarenta, mas quarenta mil búfalos, senão mais; fato que, se necessário fosse, poderia ser comprovado com estatísticas.
Tampouco, bem ponderado, parece argumento favorável à extinção gradual do Cachalote que, por exemplo, em anos anteriores (digamos, os últimos anos do século passado), se encontravam pequenos bandos desses Leviatãs com muito mais frequência do que hoje em dia e, em consequência disso, as viagens não eram tão exaustivas e também muito mais recompensadoras. Pois, como vimos alhures, tais baleias, influenciadas por certa intuição de segurança, agora nadam os mares em imensas caravanas, de modo que, em larga escala, os solitários, os pares, os bandos e os cardumes dispersos de outrora agora se reúnem em grandes, porém esparsos e raros exércitos. Só isso. E igualmente falaciosa parece a ideia de que as chamadas baleias de barbatana, porque deixaram de frequentar zonas onde outrora foram abundantes, sejam uma espécie em declínio. Pois elas apenas foram impelidas a ir do promontório ao cabo: e, se uma costa não está sendo agraciada por seus jatos, é certo que outra e mais remota rebentação foi muito recentemente surpreendida por esse espetáculo incomum.
Mais ainda: no que concerne aos últimos Leviatãs mencionados, eles têm duas fortalezas sólidas que, segundo todas as probabilidades, continuarão inexpugnáveis para sempre. E assim como sob a invasão de seus vales os frígidos Suíços se retiraram para as montanhas; também, perseguidas nas savanas e nos vales dos mares centrais, as baleias de barbatana podem por fim recorrer às suas cidadelas Polares e, mergulhando sob as últimas barreiras e muralhas vítreas, emergir em campos e bancos de gelo; e, num círculo encantado de Dezembro eterno, desafiar abertamente toda a perseguição humana.
Todavia, como talvez cinquenta dessas baleias de barbatana são arpoadas para cada cachalot, alguns filósofos de castelo de proa concluíram que essa verdadeira carnificina já diminuiu em muito seus batalhões. Muito embora, já há algum tempo, um número considerável dessas baleias, não menos de 13 mil, tenha sido morto anualmente na costa noroeste só pelos americanos; algumas considerações reduzem esses fatos a pouca ou nenhuma importância como argumento contrário ao assunto.
Por mais natural que seja mostrar-se incrédulo quanto à abundância das maiores criaturas do globo, como responderemos a Horto, o historiador de Goa, quando nos relata que numa única caçada o Rei de Sião capturou 4 mil elefantes; que naquelas regiões os elefantes são tão numerosos quanto o gado nos climas temperados? E parece não haver motivo para duvidar que se esses elefantes caçados durante milhares de anos por Semíramis, Poro, Aníbal e todos os sucessivos monarcas do Oriente – se eles ainda sobrevivem em grande número, muito mais pode a enorme baleia resistir a todas as caçadas, desde que encontre a pastagem para se espraiar, que tem exatamente o dobro do tamanho de toda a Ásia, as duas Américas, a Europa e a África, a Nova Holanda e todas as Ilhas do oceano reunidas.
Ainda mais: devemos considerar que, em vista da suposta longevidade das baleias, sendo possível que atinjam a idade de um século ou mais, em certos períodos várias gerações adultas diferentes devem ser contemporâneas. E o que isso representa, logo poderemos entender, se imaginarmos todos os cemitérios, sepulcrários e criptas familiares do mundo devolvendo os corpos com vida de todos os homens, mulheres e crianças que viveram há cerca de setenta e cinco anos; e acrescentarmos essa multidão incontável à população atual do globo.
Em vista disso tudo, portanto, consideramos a baleia imortal como espécie, embora perecível em sua individualidade. Nadou nos oceanos antes de os continentes surgirem das águas; nadou outrora no lugar onde hoje se encontram as Tulherias, o castelo de Windsor e o Kremlin. No dilúvio de Noé desprezou sua Arca; e, se o mundo for mais uma vez inundado, como os Países Baixos, para acabar com os ratos, a baleia eterna sobreviverá e, alçando-se na crista mais alta da inundação equatorial, fará jorrar seu desafio espumante aos céus.
Herman Melville, in Moby Dick

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