quinta-feira, 2 de abril de 2020

Camelo declarado indesejável

Aceitam todos os pedidos de passagem de fronteira, mas Guk, camelo, inesperadamente declarado indesejável. Vai Guk à central de polícia onde lhe informam nada que fazer, volte para o oásis, declarado indesejável inútil tramitar pedido. Tristeza de Guk, retorno às terras da infância. E os camelos da família e os amigos rodeando-o e o que foi que aconteceu a você, e não é possível, por que precisamente você. Então, uma delegação ao Ministério de Trânsito, para apelar por Guk, com escândalo de funcionários de carreira: isto nunca se viu, voltem imediatamente para o oásis, vai-se abrir um inquérito.
Guk no oásis come capim um dia, outro dia. Todos os camelos passaram a fronteira, Guk continua esperando. Assim acaba o verão, o outono. Depois Guk de volta à cidade, parado numa praça vazia. Muito fotografado por turistas, respondendo aos repórteres. Vago prestígio de Guk na praça. Aproveitando procura sair, na porta tudo muda: declarado indesejável. Guk baixa a cabeça, procura os capinzinhos da praça. Um dia o chamam pelo alto-falante e ele entra feliz na central. Ali é declarado indesejável. Guk volta para o oásis e se deita. Come um pouco de capim, e depois encosta o focinho na areia. Vai fechando os olhos enquanto o sol se põe. De seu nariz brota uma bolha que dura um segundo mais do que ele.
Júlio Cortázar, in Histórias de Cronópios e de Famas

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