Passemos
a outra questão: o modo de tratarmos com o nosso semelhante. Como
devemos agir, que preceitos ministrar? Que não derramemos sangue
humano? Ao nosso semelhante devemos fazer o bem: aconselhar a não
lhe fazer mal, que ridículo! Até parece que encontrar algum homem
que não seja uma fera para os outros já é coisa merecedora de
encômios... Vamos aconselhar a que se estenda a mão ao náufrago,
se indique o caminho a quem anda perdido, se divida o pão com o
esfomeado? Mas para que hei-de eu enumerar todos os atos que devemos
ou não devemos praticar quando posso numa só frase resumir todos os
nossos deveres para com os outros? Tudo quanto vês, este espaço em
que se contém o divino e o humano, é uno, e nós não somos senão
os membros de um vasto corpo. A natureza gerou-nos como uma só
família, pois nos criou da mesma matéria e nos dará o mesmo
destino; a natureza faz-nos sentir amor uns pelos outros, e
aponta-nos a vida em sociedade. A natureza determinou tudo quanto é
lícito e justo; pela própria lei da natureza, é mais terrível
fazer o mal do que sofrê-lo; em obediência à natureza, as nossas
mãos devem estar prontas a auxiliar quem delas necessite. Devemos
ter gravado na alma, e sempre na ponta da língua, o verso famoso:
“Sou homem, tudo quanto é humano me concerne!”, de Terêncio.
Possuamos tudo em comunidade, uma vez que como comunidade fomos
gerados. A sociedade humana assemelha-se em tudo a um arco abobadado:
as pedras que, sozinhas, cairiam, sustentam-se mutuamente, e assim
conseguem manter-se firmes!
Sêneca,
in Cartas a Lucílio
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