quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Tia explicada ou não

Uns mais outros menos, meus quatro irmãos se dedicam à filosofia. Leem livros, discutem entre si, e são admirados a distância pelos outros da família, fiel ao princípio de não se intrometer nas preferências alheias e inclusive favorecê-las na medida do possível. Estes rapazes, que me merecem um grande respeito, discutiram mais de uma vez o problema do medo de minha tia, chegando a conclusões sombrias, mas talvez razoáveis. Como costuma acontecer em casos semelhantes, minha tia era a menos informada dessas assembleias, mas desde essa época a preocupação da família se acentuou ainda mais. Há anos acompanhamos a tia em suas titubeantes expedições da sala ao pátio, do quarto ao banheiro, da cozinha à despensa. Nunca achamos fora de propósito que ela se deitasse de lado e durante toda a noite conservasse a mais absoluta imobilidade, os dias pares do lado direito, e os ímpares do lado esquerdo. Nas cadeiras da sala de jantar e do pátio, a tia se instalava muito ereta; não aceitaria por nada deste mundo a comodidade de uma cadeira de balanço ou de um sofá Morris. Na noite do Sputnik a família jogou-se no chão do pátio para observar o satélite, mas a tia ficou sentada e no dia seguinte teve um bruto torcicolo. Pouco a pouco nós fomos nos habituando e hoje estamos resignados. Nossos primos irmãos nos ajudam e fazem referência ao assunto com olhares inteligentes e dizem coisas tais como: “Ela tem razão.” Mas por quê? Nós não sabemos e eles não querem explicar. Por mim, por exemplo, acho muito cômodo ficar de costas. O corpo todo se apoia no colchão ou nos ladrilhos do pátio, a gente sente os calcanhares, as panturrilhas, as coxas, as nádegas, as espáduas, os braços e a nuca, que dividem o peso do corpo e o distribuem por assim dizer no chão, aproximam-no tão bem e tão naturalmente dessa superfície que nos atrai com voracidade e parece querer engolir-nos. É curioso que, para mim, ficar de costas seja a posição mais natural e às vezes desconfio que minha tia lhe tem horror por isso mesmo. Eu a acho perfeita e penso que no fundo é a mais confortável. Sim, disse bem: no fundo, bem no fundo, de costas. Até me dá um pouco de medo, algo que não consigo explicar. Como eu gostaria de ser igual a ela, e como não consigo.
Júlio Cortázar, in Histórias de Cronópios e de Famas

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