Muito
discutiu a antiguidade em torno do supremo bem. O que é o supremo
bem? Seria o mesmo que perguntar o que é o supremo azul, o supremo
acepipe, o supremo andar, o ler supremo, etc. Cada um põe a
felicidade onde pode, e quanto pode ao seu gosto. (...) Sumo bem é o
bem que vos deleita a ponto de nos polarizar toda a sensibilidade,
assim como mal supremo é aquele que vos torna completamente
insensível. Eis os dois pólos da natureza humana. Esses dois
momentos são curtos. Não existem deleites extremos nem extremos
tormentos capazes de durar a vida inteira. Supremo bem e supremo mal
são quimeras.Conhecemos a bela fábula de Crântor, que fez
comparecer aos jogos olímpicos a Fortuna, a Volúpia, a Saúde e a
Virtude.
Fortuna:
- O sumo bem sou eu, pois comigo tudo se obtém.
Volúpia:
- Meu é o pomo, porquanto não se aspira à riqueza senão para
ter-me a mim.
Saúde:
- Sem mim não há volúpia e a riqueza seria inútil.
Virtude:
- Acima da riqueza, da volúpia e da saúde estou eu, que embora com
ouro, prazeres e saúde pode haver infelicidade, se não há virtude.
Teve
o pomo a Virtude.
A
fábula é engenhosa, mas não resolve o problema absurdo do supremo
bem. Virtude não é bem, senão dever. Pertence a um plano superior.
Nada tem que ver com as sensações dolorosas ou agradáveis. Com
cálculos e gota, sem arrimo, sem amigos, privado do necessário,
perseguido, agrilhoado por um tirano voluptuoso aboletado no fausto,
o homem virtuoso é infelicíssimo, e o perseguidor insolente que
acaricia uma nova amante no seu leito de púrpura, felicíssimo.
Podeis dizer ser preferível o sábio perseguido ao perseguidor
impertinente. Podeis dizer amar a um e detestar o outro. Mas
esquece-vos que le sage dans les fers enrage. Se não
concordar o sábio, engana-vos: é um charlatão.
Voltaire,
in Dicionário Filosófico
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