Por que não agilizar aquela minha ideia
do Esquadrão Geriátrico de Extermínio, o muy conocido EGE, muy
conocido em mi casa, velhinhas contundentes com suas bengalas em
ponta de estilete, estilete lambuzado de curare, e iríamos lá no
Congresso, e faríamos parcas perguntas antes de espetar-lhes a
bunda: então não se lembra da compra de uma fazenda de um milhão e
seiscentos mil dólares? Não lembra mesmo, negão? E aí, a espetada
fatal na gorda ilharga. E o senhor, seu dotô, não lembra de nada,
nem onde a enterrou? E com facas de prata e frigideiras com azeite
besuntadas, teríamos miúdos de anões (ao ponto, à marsala, aux
fines herbes), meros tostões para a fome da plebe. Por que ao invés
de comermos belíssimos faisões, doces rãzinhas, delicados coelhos,
não fazemos “o rango do anão”, assim grosso e curto, para o
gáudio e a delícia dos glutões? E, se insistirem em várias CPIs,
teremos iguanas estocadas até o fim dos dias. E me vem de novo à
memória aquele japonês que comeu a amantezinha holandesa, comeu
literalmente, e quando saiu do manicômio (ninguém sabe por que
saiu), comentou: “Fui mal interpretado”. Nós, os brasileiros,
jamais responderíamos assim. Inclusive porque ninguém de bom senso
iria nos perguntar o porquê de comermos literalmente os anões. E é
sempre um alívio viver sem perguntar. Quando se pergunta, por
exemplo, de onde vem o mal, é aquela lengalenga sem fim, e ouvimos
bocejantes e abestados o cara espumando seu texto chinfrim. Frente a
frente com Deus, serei aquele amontoado de perguntas e já posso lhe
ver a língua longa, dourada, e perdigotos azuis roçando-nos com
suas diminutas asas. E o trono de fogo, e o telefone celular, ali,
telefone de Deus, de todo e de tudo desligado. “Objetos estéticos”,
há de me responder como um elegante filósofo requintado. E eu, aos
trinta, era tão bela, ingênua e finda — “mas as coisas findas,
muito mais que lindas…” (Drummond) —, que me permite pensar
também Deus.
Hilda Hilst, in Crônica
publicada originalmente no jornal Correio Popular em 1993
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