segunda-feira, 4 de março de 2019

Para buchos e neurônios

Por que não agilizar aquela minha ideia do Esquadrão Geriátrico de Extermínio, o muy conocido EGE, muy conocido em mi casa, velhinhas contundentes com suas bengalas em ponta de estilete, estilete lambuzado de curare, e iríamos lá no Congresso, e faríamos parcas perguntas antes de espetar-lhes a bunda: então não se lembra da compra de uma fazenda de um milhão e seiscentos mil dólares? Não lembra mesmo, negão? E aí, a espetada fatal na gorda ilharga. E o senhor, seu dotô, não lembra de nada, nem onde a enterrou? E com facas de prata e frigideiras com azeite besuntadas, teríamos miúdos de anões (ao ponto, à marsala, aux fines herbes), meros tostões para a fome da plebe. Por que ao invés de comermos belíssimos faisões, doces rãzinhas, delicados coelhos, não fazemos “o rango do anão”, assim grosso e curto, para o gáudio e a delícia dos glutões? E, se insistirem em várias CPIs, teremos iguanas estocadas até o fim dos dias. E me vem de novo à memória aquele japonês que comeu a amantezinha holandesa, comeu literalmente, e quando saiu do manicômio (ninguém sabe por que saiu), comentou: “Fui mal interpretado”. Nós, os brasileiros, jamais responderíamos assim. Inclusive porque ninguém de bom senso iria nos perguntar o porquê de comermos literalmente os anões. E é sempre um alívio viver sem perguntar. Quando se pergunta, por exemplo, de onde vem o mal, é aquela lengalenga sem fim, e ouvimos bocejantes e abestados o cara espumando seu texto chinfrim. Frente a frente com Deus, serei aquele amontoado de perguntas e já posso lhe ver a língua longa, dourada, e perdigotos azuis roçando-nos com suas diminutas asas. E o trono de fogo, e o telefone celular, ali, telefone de Deus, de todo e de tudo desligado. “Objetos estéticos”, há de me responder como um elegante filósofo requintado. E eu, aos trinta, era tão bela, ingênua e finda — “mas as coisas findas, muito mais que lindas…” (Drummond) —, que me permite pensar também Deus.
Hilda Hilst, in Crônica publicada originalmente no jornal Correio Popular em 1993

Nenhum comentário:

Postar um comentário