E
uma vez os dois foram ao Jardim Zoológico, ela pagando a própria
entrada. Teve muito espanto ao ver os bichos. Tinha medo e não os
entendia: por que viviam? Mas quando viu a massa compacta, grossa,
preta e roliça do rinoceronte que se movia em câmara lenta, teve
tanto medo que se mijou toda. O rinoceronte lhe pareceu um erro de
Deus, que me perdoe por favor, sim? Mas não pensara em Deus nenhum,
era apenas um modo de. Com a graça de alguma divindade Olímpico
nada percebeu e ela disse a ele:
– Estou
molhada porque me sentei no banco molhado. E ele nada percebeu. Ela
rezou automaticamente em agradecimento. Não era agradecimento a
Deus, só estava repetindo o que aprendera na infância.
– A
girafa é tão elegante, não é?
– Besteira,
bicho não é elegante.
Ela
teve inveja da girafa que pairava tão longe no ar. Tendo visto que
seus comentários sobre bichos não agradavam Olímpico, procurou
outro assunto:
– Na
Rádio Relógio disseram uma palavra que achei meio esquisita:
mimetismo.
Olímpico
olhou-a desconfiado:
– Isso
é lá coisa para moça virgem falar? E para que serve saber demais?
O Mangue está cheio de raparigas que fizeram perguntas demais.
– Mangue
é um bairro?
– É
lugar ruim, só pra homem ir. Você não vai entender mas eu vou lhe
dizer uma coisa: ainda se encontra mulher barata. Você me custou
pouco, um cafezinho. Não vou gastar mais nada com você, está bem?
Ela
pensou: eu não mereço que ele me pague nada porque me mijei.
Depois
da chuva do Jardim Zoológico, Olímpico não foi mais o mesmo:
desembestara. E sem notar que ele próprio era de poucas palavras
como convém a um homem sério, disse-lhe:
– Mas
puxa vida! Você não abre o bico e nem tem assunto!
Então
aflita ela lhe disse:
– Olhe,
o Imperador Carlos Magno era chamado na terra dele de Carolus! E você
sabia que a mosca voa tão depressa que se voasse em linha reta ela
ia passar pelo mundo todo em 28 dias?
– Isso
é mentira!
– Não
é não, juro pela minha alma pura que aprendi isso na Rádio
Relógio!
– Pois
não acredito.
– Quero
cair morta neste instante se estou mentindo. Quero que meu pai e
minha mãe fiquem no inferno, se estou lhe enganando.
– Vai
ver que cai mesmo morta. Escuta aqui: você está fingindo que é
idiota ou é idiota mesmo?
– Não
sei bem o que sou, me acho um pouco... de quê? ...Quer dizer não
sei bem quem eu sou.
– Mas
você sabe que se chama Macabéa, pelo menos isso?
– É
verdade. Mas não sei o que está dentro do meu nome. Só sei que eu
nunca fui importante...
– Pois
fique sabendo que meu nome ainda será escrito nos jornais e sabido
por todo o mundo.
Ela
disse para Olímpico:
– Sabe
que na minha rua tem um galo que canta?
– Por
que é que você mente tanto?
– Juro,
quero ver minha mãe cair morta se não é verdade!
– Mas
sua mãe já não morreu?
– Ah,
é mesmo... que coisa…
Clarice
Lispector, in A hora da estrela
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