segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Cegueira

Deus é alegria. Uma criança é alegria. Deus e uma criança têm isso em comum: ambos sabem que o universo é uma caixa de brinquedos. Deus vê o mundo com olhos de criança. Está sempre à procura de companheiros para brincar. Os grandes, doidões e perversos, pensam que Deus é como eles, de olho malvado, que os espiona em todos os lugares, para castigar. Você sabe que não é assim.
Claro que as funções adultas são necessárias: elas são ferramentas, meios de vida, entidades da Feira das Utilidades. Elas precisam ser desenvolvidas para que a Criança Eterna brinque pela vida afora, sem se machucar... Sonho com o dia em que as crianças que leem meus livrinhos não terão de grifar dígrafos e encontros consonantais e em que o conhecimento das obras literárias não será objeto de exames vestibulares: os livros serão lidos pelo simples prazer da leitura.
Não avalio as crianças em função dos saberes. São os saberes que devem ser avaliados em função das crianças. É isso que distingue um educador. Um educador não está a serviço de saberes. Está a serviço dos seus alunos. “Aquele que é um mestre, realmente um mestre, leva as coisas a sério – inclusive ele mesmo – somente em relação aos seus alunos”. (Nietzsche).
Sugiro uma inversão pedagógica: os grandes aprendendo dos pequenos. Um profeta do Antigo Testamento resumiu essa pedagogia invertida numa frase curta e maravilhosa: “e um menino pequeno os guiará” (Isaías, 11:6). São as crianças que veem as coisas – porque elas as veem sempre pela primeira vez com espanto, com assombro de que elas sejam do jeito como são. Os adultos, de tanto vê-las, já não as veem mais. As coisas – as mais maravilhosas – ficam banais. Ser adulto é ser cego.
Rubem Alves, in Do universo à jabuticaba

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