sábado, 27 de outubro de 2018

Nos primórdios

Era só água e sol de primeiro este recanto. Meninos cangavam sapos. Brincavam de primo com prima. Tordo ensinava o brinquedo “primo com prima não faz mal: finca finca”. Não havia instrumento musical. Os homens tocavam gado. As coisas ainda inominadas. Como no começo dos tempos.
Logo se fez a piranha. Em seguida os domingos e feriados. Depois os cuiabanos e os beira-corgos. Por fim o cavalo e o anta batizado.
Nem precisaram dizer crescei e multiplicai. Pois já se faziam filhos e piadas com muita animosidade.
Conhecimentos vinham por infusão pelo faro dos bugres pelos mascates.
O homem havia sido posto ali nos inícios para campear e hortar. Porém só pensava em lombo de cavalo. De forma que só campeava e não hortava.
Daí que campear se fez de preferência por ser atividade livre e andeja. Enquanto que hortar prendia o ente no cabo da enxada. O que não era bom.
No começo contudo enxada teve seu lugar. Prestava para o peão encostar-se nela a fim de prover seu cigarrinho de palha. Depois, com o desaparecimento do cigarro de palha, constatou-se a inutilidade das enxadas.
O homem tinha mais o que não fazer!
Foi muito soberano mesmo no começo dos tempos este cortado. Burro não entrava em seus pastos. Só porque burro não pega perto. Porém já hoje há quem trate os burros como cavalo. O que é uma distinção.
Manoel de Barros, in Meu quintal é maior que o mundo

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