quarta-feira, 31 de outubro de 2018

A letra A


Era o ano de 341 a.C. quando Epicuro partiu de Samos para Téos, e, após ter se frustrado com o filósofo Pânfilo, ouviu notícias sobre o pensamento atomista. Depois de muitos estudos, Epicuro concluiu que a inclinação de um átomo por outro pode ocorrer não somente por necessidade, como pensava Demócrito, mas por atração e desejo. Foi por essa época, também, e em função da constatação sobre o desejo que os átomos sentiam uns pelos outros, que Epicuro desenvolveu a letra A. Os átomos já existiam desde toda a eternidade e o infinito dos infinitos, desde o momento causador do caos, mas ainda não havia uma letra para designá-los. Por esse motivo, o desejo de um átomo por outro, o apelo de um átomo pelo outro, não tinha como expressar-se. Não havia uma letra para fazê-lo. E o problema não era só dos átomos propriamente. As pessoas, movidas internamente pela força atômica, também se encontravam carentes de aproximação daqueles por quem se sentiam atraídas. Quando alguém como Demóstrata de Kyos se sentia perdidamente seduzida pelos átomos de Ípsion de Elera, que, por sua vez, não se dava conta do desejo que o visava, não havia forma de expressar tal desejo, pois, quando Demóstrata procurou Ípsion para declarar sua inclinação atomística, faltava uma letra para dizê-lo. Epicuro, observando a imensa lacuna que se desenhava entre as manifestações de desejo dos átomos — no espaço ou nos homens — e sua realização, determinou-se a criar a letra que preencheria todos esses vácuos amorosos. Em primeiro lugar, cuidou de definir, pela observação dos movimentos atômicos, qual seria a figura geométrica que mais se adequaria à representação de seu deslocamento pelo espaço e pelas células. Decidiu-se pela reta inclinada, que, aliás, também coincide com a definição que vinha configurando, de que os átomos sentem inclinação uns pelos outros. Permaneceu, por alguns meses, com a reta inclinada num ângulo de 45 graus, mas não se satisfazia com ela. Considerava-a insuficiente para dar conta de todo o circuito que os átomos perfaziam. Foi quando, depois de uma noite com Arícia de Páros, lembrou-se de outra reta inclinada, no mesmo ângulo mas em direção oposta, que, em seu vértice, se encontrasse com a anterior. Isso simbolizaria quase perfeitamente a força magnética que um átomo exercia sobre outro, embora não a importância igualmente relevante da casualidade, que, como seu mestre Demócrito afirmara, compunha necessariamente a atração entre os átomos. As duas retas inclinadas, encontrando-se no vértice, transpareciam somente atração necessária, e não casual. Mas rapidamente Epicuro se deu conta de que o vazio que havia na base entre as duas retas, sem que o triângulo se fechasse, estava ali justamente para representar o acaso, que, casualmente, já viera integrar-se ao desenho da letra sem que Epicuro percebesse. E ele então se satisfez com o triângulo aberto na base. Mas eis que o mestre, contra sua própria filosofia — a de que o prazer é a ausência de dor —, apaixonou-se por Arícia, e isso o afligia. Convidou-a a frequentar seu jardim e refletiu sobre o mal que aquela paixão lhe provocava. Como Arícia correspondia aos sentimentos de Epicuro e concordou em participar do jardim, a teoria do prazer como ausência de sofrimento podia ser efetivada sem prejuízo teórico. Foi durante essa experiência que Epicuro se lembrou de instalar uma pequena reta unindo as duas retas anteriormente inclinadas, para reforçar a ideia de aliança no bem-estar. Desde então, a letra A tem servido para todas as teorias atomistas subsequentes, como também para designar os aviões, um dos desenvolvimentos da teoria atomista, as aves e a cor azul, que não passa de um encontro feliz de átomos pacíficos.
Noemi Jaffe, in A verdadeira história do alfabeto

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