quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Como Bertrand Russell foi impedido de lecionar na Faculdade Municipal de Nova York

III
Se os zelotes eram poderosos na política local, os partidários do ensino independente também eram poderosos em todas as principais faculdades e universidades do país. Em defesa de Russell, acorreram diversos reitores de faculdades, incluindo Gideonse, de Brooklyn; Hutchins, de Chicago (onde Russell lecionara no ano anterior); Graham, da Carolina do Norte, que posteriormente veio a ser senador dos EUA; Neilson, da Smith University; Alexander, de Antioch; e Sproule, da Universidade da Califórnia, onde Russell estava, na época, “doutrinando os alunos em suas regras libertárias relativas à vida licenciosa em questões de sexo e amor promíscuo”. Em defesa de Russell também acorreram presidentes e ex-presidentes sociedades letradas – Nicholson, da Phi Beta Kappa; Curry, da Associação Matemática Norte-Americana; Hankies, da Associação Sociológica Norte-Americana; Beard, da Associação Histórica Norte-Americana; Ducasse, da Associação Filosófica Norte-Americana; Himstead, da Associação Norte-Americana de Professores Universitários, e vários outros. Dezessete dos mais destacados eruditos do país (incluindo Becker, de Cornell; Lovejoy, da Johns Hopkins; e Cannon, Kemble, Perry e Schlesinger, de Harvard) enviaram uma carta ao prefeito LaGuardia protestando contra o “ataque organizado à nomeação do filósofo mundialmente renomado Bertrand Russell (...)”. Se tal ataque se comprovasse bem-sucedido, prosseguia a carta, “nenhuma faculdade ou universidade norte-americana estaria a salvo do controle inquisitório por parte dos inimigos do pensamento livre (...). Receber instrução de um homem do calibre intelectual de Bertrand Russell é um raro privilégio para estudantes de qualquer lugar (...). Seus críticos deveriam enfrentá-lo no campo aberto e justo da discussão intelectual e da análise científica. Eles não têm o direito de silenciá-lo impedindo-o de lecionar (...). A questão é tão fundamental que não pode ser resolvida sem ameaçar toda a estrutura da liberdade intelectual sobre a qual a vida universitária norte-americana repousa”. Whitehead, Dewey, Shapley, Kasner, Einstein – todos os principais filósofos e cientistas defenderam abertamente a nomeação de Russell. “Grandes espíritos”, Einstein observou, “sempre encontraram forte oposição por parte das mediocridades. Estas não conseguem entender quando um homem conscientemente não se submete a preconceitos hereditários, mas usa sua inteligência de maneira honesta e corajosa.”
O apoio a Russell não se limitou, de maneira alguma, à comunidade acadêmica. A nomeação de Russell e a independência da autoridade que fez a indicação foram, é claro, endossadas pela União de Liberdades Civis dos Estados Unidos e pelo Comitê de Liberdade Cultural, cujo presidente, na época, era Sidney Hook. Também tomaram o partido de Russell todos os porta-vozes dos grupos religiosos mais liberais, incluindo o rabino Jonah B. Wise; o professor J.S. Bixler, da Faculdade de Teologia de Harvard; o professor E.S. Brightman, diretor do Conselho Nacional de Religião e Educação; o reverendo Robert G. Andrus, conselheiro dos alunos protestantes da Universidade de Columbia; o reverendo Jonh Haynes Holmes e o reverendo Guy Emery Shipley, que questionaram o direito de o bispo Manning falar em nome da Igreja Episcopal. Nove editores de destaque – incluindo Bennet Cerf, da Random House; Cass Canfield, da Harper’s; Alfred A. Knopf e Donald Brace, da Harcourt Brace – publicaram uma declaração exaltando a escolha de Russell como “algo que apenas reflete o mais alto crédito do Conselho de Educação Superior”. Falando a respeito das “brilhantes conquistas em filosofia” de Russell e de suas “grandes qualidades como educador”, os editores declararam que seria “uma pena para os alunos da cidade de Nova York não se beneficiarem dessa nomeação”. Como editores, prosseguiam, “não concordamos necessariamente, de maneira pessoal, com todas as opiniões expressas pelos autores dos livros que publicamos, mas acolhemos grandes pensadores em nossas listas, especialmente neste momento, em que a força bruta e a ignorância ganharam tanta ascendência sobre a razão e o intelecto em tantas partes do mundo. Pensamos ser mais importante do que nunca honrar a superioridade intelectual sempre que essa oportunidade se apresenta”. Sentimentos similares foram expressos pelos jornais Publishers’ Weekly e New York Herald Tribune, tanto em seus editoriais como por Dorothy Thompson, em sua coluna “On the Record”. “Lorde Russell não é imoral”, ela escreveu. “Qualquer pessoa que o conheça tem ciência de que é um homem da mais distinta integridade intelectual e pessoal.”
Na própria Faculdade Municipal havia muito ressentimento, igualmente entre estudantes e professores, em relação à da interferência eclesiástica e política nos assuntos internos da faculdade. Em um encontro geral realizado no grande salão, o professor Morris Raphael Cohen comparou a situação de Russell à de Sócrates. Se a nomeação de Russell fosse revogada, ele disse, “o bom nome de nossa cidade sofrerá, assim como sofreu Atenas ao condenar Sócrates como corruptor da juventude, ou Tennessee, ao considerar Scopes culpado por ensinar a teoria da evolução”. No mesmo encontro, o professor Herman Randall Jr., distinto historiador da filosofia e ele próprio um homem religioso, denunciou a oposição dos homens da Igreja à nomeação de Russell como uma “afronta pura” e uma “impertinência grotesca”. Trezentos membros da Faculdade Municipal assinaram uma carta felicitando o Conselho de Educação Superior pela esplêndida nomeação. Os pais dos alunos da Faculdade Municipal também não se alarmaram ante a perspectiva de que seus filhos fossem expostos à influência corrosiva da “mente superior por trás do amor livre”. Apesar de a maior parte dos opositores de Russell desfilar como porta-voz dos “pais ofendidos”, a Associação de Pais da Faculdade Municipal votou unanimemente a favor da ação do Conselho.
Paul Edwards, in Apêndice de Por que não sou cristão, de Bertrand Russell

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