sábado, 15 de setembro de 2018

Papa-jerimum

O norte-rio-grandense é denominado papa-jerimum (abóbora) porque dizem ter sido com essa cucurbitácea que pagavam aos funcionários da Capitania. Ainda hoje, o papa-jerimum não os produz suficientemente. Compra-os na Paraíba e Pernambuco. Jamais fora alimento característico.
Não seria assombro que tal ocorresse nos velhos bons tempos, pela escassez do numerário metálico e sua demora no envio das repartições competentes no Recife.
Na segunda metade do século XVIII, a moeda comum e corrente no Maranhão e Ceará era o novelo de algodão fiado. Em 1768, um alvará mandava pagar aos mestre-escolas em alqueires de farinha. Em dezembro de 1712, a Câmara da Vila de São José de Ribamar, no Ceará, queixava-se ao Rei de Portugal que o Capitão-Mor Francisco Duarte de Vasconcelos estava pagando em gêneros e não em dinheiro a infantaria do presídio. No Pará, a moeda era mais curiosa. Circulava o pacote de ovas de tainha e os serventuários públicos recebiam tantos pacotes como ordenados. Raimundo Morais (Meu dicionário de coisas da Amazônia, II, Rio de Janeiro, 1931) pergunta se não provirá daí o dizer-se pacote para o conto de réis, ou porção de dinheiro. O papa-jerimum nasceria na desastrada administração de Lopo Joaquim de Almeida Henriques, de 30 de agosto de 1802 a 19 de fevereiro de 1806, quando foi exonerado e mandado retirar imediatamente pelo Capitão-General de Pernambuco, Caetano Pinto de Miranda Montenegro.
Tudo quanto se sabe, documentadamente, é que Lopo Joaquim “mandou fazer roçados de mandioca pela tropa em lugares por onde hoje se estende a cidade, e plantações de melancia, de que tirava a parte do leão” (Gonçalves Dias). Não se fala em jerimum e menos ainda que o governador pagasse tropa e funcionários com os produtos de sua lavoura compulsória. Não há outra oportunidade para a criação da lenda e não existe um único documento oficial em que esse episódio seja mencionado. Nem se registra em qualquer outra fonte histórica. Puro folclore!...
A tradição oral, porém, guarda a origem desse mito nos finais do século XIX. Armou-o, com todas as peças hilariantes, o Dr. Joaquim Maria Carneiro Vilela (1848-1913), poeta, escritor, jornalista, e que em 1868 era juiz municipal em Natal. Temperamento inquieto, buliçoso, zangou-se com luzias (Liberais) e saquaremas (Conservadores), deixando a Província sem licença legal, desajustado e furioso. Houve mesmo uma pretensão matrimonial vetada pela família da futura noiva, irmã do Padre João Manuel de Carvalho, e que irritou profundamente a Carneiro Vilela. Montou a estória do jerimum, divulgando-a com a feitiçaria do seu estilo sedutor. Era uma mentira, mas deliciosamente contada no sabor de anedota. E a invenção pegou e viveu até hoje, como visgo em solado de sapato.
Tanto assim que Francisco Gomes da Rocha Fagundes (1827-1901), senador pelo Rio Grande do Norte em 1899, ouviu em pleno Senado a pilhéria do jerimum fiduciário.
O Senador Chico Gordo, como o chamavam, deu uma resposta feliz:
Paga com jerimum, mas paga! E o Estado de V. Ex. a fica devendo!…
Luís da Câmara Cascudo, in Coisas que o povo diz

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