sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Bilhões de anos

Onde estive eu, durante esse tempo imenso, bilhões de anos, que vão do big bang até o meu nascimento? Os religiosos vão dizer que estive no céu, alma desencarnada, à espera do meu nascimento. Eles não entenderam a minha pergunta. Quando digo “eu” estou me referindo a uma memória que esse bolso chamado “eu” guarda dentro de si. O fato é que, desses bilhões de anos, não tenho a menor memória. Se tivesse, eu teria memória também da enorme espera – eu, esperando durante bilhões de anos... Mas não. Para mim, o mundo foi criado quando eu nasci. O big bang aconteceu para mim quando minha mãe me pariu. Foi grande a demora? Custou-me esperar bilhões de anos? Não. Foi menos que um segundo. E agora, que a morte se aproxima, sei que vou voltar para o lugar onde estive. De novo, a espera vai ser grande? Não. Não esperarei mais que um segundo... Como disse o poeta ao Menino Jesus: “Até que nasça qualquer dia que tu sabes qual é...”.
Rubem Alves, in Do universo à jabuticaba

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