quinta-feira, 21 de junho de 2018

As objeções à religião

As objeções à religião são de dois tipos – intelectuais e morais. A objeção intelectual é que não existe razão para supor que religião alguma seja verdadeira; a objeção moral é que os preceitos religiosos datam de uma época em que os homens eram mais cruéis do que são e, portanto, têm a tendência de perpetuar atrocidades que a consciência moral desta época, de outro modo, superaria.
Vamos examinar primeiro a objeção intelectual: existe uma certa tendência, em nossa época prática, de considerar que não faz muita diferença se os ensinamentos religiosos são verdadeiros ou não, já que a questão mais importante é saber se são úteis. Mas uma questão não pode ser respondida sem a outra. Se acreditarmos na religião cristã, nossas noções do que é bom serão diferentes do que seriam se não acreditássemos nela. Portanto, para os cristãos, os efeitos do cristianismo podem parecer bons, ao passo que, para os descrentes, podem parecer ruins. Além do mais, a atitude de que se deve acreditar nesta ou naquela proposição, independentemente de existirem evidências a seu favor, é uma atitude que produz hostilidade ante as evidências e faz com que fechemos a mente a todos os fatos que não se encaixem nos nossos preconceitos.
Um certo tipo de imparcialidade científica é uma qualidade muito importante, sendo algo que dificilmente pode existir em um homem que imagine existirem coisas em que deve acreditar por obrigação. Não podemos, portanto, realmente decidir se a religião faz bem ou não sem investigar se ela é verdadeira ou não. Para cristãos, maometanos e judeus, a questão mais fundamental implicada na verdade da religião é a existência de Deus. Na época em que a religião ainda triunfava no mundo, a palavra “Deus” tinha um significado perfeitamente definido; mas, como resultado dos ataques violentos dos racionalistas, a palavra foi empalidecendo, até ficar difícil saber o que as pessoas querem dizer ao afirmar que acreditam em Deus. Tomemos, por razões argumentativas, a definição de Matthew Arnold: “Uma força alheia a nós mesmos, que confirma a virtude”. Talvez devamos deixar isso ainda mais vago e perguntar a nós mesmos se temos alguma evidência de finalidade neste universo além das finalidades dos seres vivos sobre a superfície deste planeta.
O argumento mais comum das pessoas religiosas a respeito deste assunto é, grosso modo, o que se segue: “Eu e meus amigos somos pessoas de inteligência e virtude surpreendentes. É praticamente inconcebível supor que tanta inteligência e virtude pudessem ter surgido por acaso. Deve, portanto, existir alguém pelo menos tão virtuoso e inteligente quanto nós que pôs a engrenagem cósmica em funcionamento com o intuito de nos produzir”. Sinto dizer que não considero esse argumento tão impressionante quanto calculam as pessoas que o utilizam. O universo é grande; no entanto, se formos acreditar em Eddington, não há em nenhum lugar do universo seres tão inteligentes quanto os homens. Levando em conta a quantidade total de matéria no mundo e a comparando com a quantidade que forma o corpo dos seres inteligentes, ver-se-á que a segunda acha-se em proporção quase infinitesimal em relação à primeira. Em consequência, mesmo que seja enormemente improvável que as leis do acaso possam produzir um organismo capaz de ter inteligência a partir de uma seleção acidental de átomos, é, contudo, provável que exista no universo aquele número muito pequeno de tais organismos, que de fato encontramos. Mas, mesmo assim, considerados como o clímax de um processo tão complexo, não parecemos, na verdade, suficientemente maravilhosos. Obviamente, tenho consciência de que muitos sacerdotes são muito mais maravilhosos do que eu e que não tenho condições de apreciar por completo méritos que transcendem tanto assim aos meus. Contudo, mesmo depois de fazer concessões a esse respeito, não posso deixar de pensar que a Onipotência, operante por toda a eternidade, poderia ter produzido algo melhor. E, assim, é preciso refletir que mesmo esse resultado representa apenas uma gota no oceano. A terra não será habitável para sempre; a raça humana vai se extinguir, e, se o processo cósmico tiver de se justificar a partir daí, vai ter de fazê-lo em algum outro lugar que não a superfície de nosso planeta. E, mesmo que isso ocorra, o processo deverá ser interrompido cedo ou tarde. A segunda lei da termodinâmica torna praticamente impossível duvidar de que o universo esteja se exaurindo e de que, no fim, nada que tenha o menor interesse será possível em lugar nenhum. Claro, fica a nosso critério dizer que, quando tal hora chegar, Deus vai dar corda na engrenagem mais uma vez; mas, se fizermos esta afirmação, só poderemos basear nossa alegação na fé, e não em qualquer migalha de evidência científica. No que diz respeito à evidência científica, o universo se arrastou em estágios lentos até um resultado um tanto deplorável nesta terra – e vai se arrastar, por mais outros estágios deploráveis, até atingir a condição de morte universal. Se isso for tomado como evidência de uma finalidade, só posso dizer que esta finalidade não me atrai em nada. Não vejo razão, portanto, para acreditar em qualquer tipo de Deus, por mais vago e mais atenuado que seja. Deixo de lado os velhos argumentos metafísicos, já que os próprios defensores da religião os desprezaram.
Bertrand Russell, in Por que não sou cristão

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