Santo
Tomás de Aquino foi contemporâneo de De Fournival. Seguindo as
recomendações feitas por Cícero para aperfeiçoar a capacidade de
memorização dos retóricos, ele elaborou uma série de regras de
memória para seus leitores: pôr as coisas que se queria lembrar
numa determinada ordem, desenvolver uma “afeição” por elas,
transformá-las em “similitudes incomuns” que as tornassem fáceis
de visualizar, repeti-las com frequência.
Posteriormente,
os eruditos da Renascença, aperfeiçoando o método do Aquinate,
propuseram a construção mental de modelos arquitetônicos -
palácios, teatros, cidades, os reinos do céu e do inferno - onde
abrigassem que desejavam recordar. Esses modelos, construções
altamente elaboradas, erguidas na mente ao longo do tempo e
fortalecidas pelo uso, mostraram-se imensamente eficientes durante
séculos.
Para
mim, quando leio hoje, as anotações que faço durante a leitura são
mantidas na memória vicária do meu computador. Tal como o estudioso
renascentista que podia perambular à vontade pelas câmaras de seu
palácio da memória para recuperar uma citação ou um nome, eu
entro cegamente no labirinto eletrônico que zumbe atrás do monitor.
Auxiliado pela memória dele, posso lembrar mais exatamente (se a
exatidão é importante) e mais copiosamente (se a quantidade parece
valiosa) do que meus ilustres antepassados, mas ainda preciso ser
aquele que encontra uma ordem nas notas e tira conclusões. Trabalho
também com medo de perder um texto “memorizado” - medo que para
meus ancestrais só vinha com as dilapidações da idade, mas que
para mim está sempre presente: medo de uma falta de energia, de
tocar na tecla errada, de uma falha no sistema, de um vírus, de um
disco defeituoso, coisas que podem apagar tudo da minha memória, e
para sempre.
Alberto
Manguel, in Uma história da leitura
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