“Não
desenhamos uma imagem ilusória de nós próprios, mas inúmeras
imagens, das quais muitas são apenas esboços, e que o espírito
repele com embaraço, mesmo quando porventura haja colaborado, ele
próprio, na sua formação. Qualquer livro, qualquer conversa podem
fazê-las surgir; renovadas a
cada paixão nova, mudam com os nossos mais recentes prazeres e os
nossos últimos desgostos. São, contudo, bastante fortes para
deixarem, em nós, lembranças secretas que crescem até formarem um
dos elementos mais importantes da nossa vida: a consciência que
temos de nós mesmos tão velada, tão oposta a toda a razão, que o
próprio esforço do espírito para a captar a faz anular-se.
Nada
de definido, nem que nos permita definir-nos; uma espécie de
potência latente... como se houvesse apenas faltado a ocasião para
cumprirmos no mundo real os gestos dos nossos sonhos, conservamos a
impressão confusa, não de os ter realizado, mas de termos sido
capazes de os realizar. Sentimos esta potência em nós como o atleta
conhece a sua força sem pensar nela. Atores miseráveis que já não
querem deixar os seus papéis gloriosos, somos, para nós mesmos,
seres nos quais dorme, amalgamado, o cortejo ingênuo
das possibilidades das nossas ações e dos nossos sonhos.”
André
Malraux,
in
A
Tentação do Ocidente
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