quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Creio e não creio

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Ah, eu estou vivido, repassado. Eu me lembro das coisas, antes delas acontecerem... Com isso minha fama clarêia? Remei vida solta. Sertão! estes seus vazios. O senhor vá. Alguma coisa, ainda encontra. Vaqueiros? Ao antes ― a um, ao Chapadão do Urucúia ― aonde tanto boi berra... Ou o mais longe! vaqueiros do Brejo-Verde e do Córrego do Quebra-Quináus! cavalo deles conversa cochicho ― que se diz ― para dar sisado conselho ao cavaleiro, quando não tem mais ninguém perto, capaz de escutar. Creio e não creio. Tem coisa e cousa, e o ó da raposa... Dali para cá, o senhor vem, começos do Carinhanha e do Piratinga filho do Urucúia ― que os dois, de dois, se dão as costas. Saem dos mesmos brejos ― buritizais enormes. Por lá, sucurí geme. Cada surucuiú do grosso! vôa corpo no veado e se enrosca nele, abofa ― trinta palmos! Tudo em volta, é um barro colador, que segura até casco de mula, arranca ferradura por ferradura. Com medo de mãe-cobra, se vê muito bicho retardar ponderado, paz de hora de poder água beber, esses escondidos atrás das touceiras de buritirana. Mas o sassafrás dá mato, guardando o pôço; o que cheira um bom perfume. Jacaré grita, uma, duas, as três vezes, rouco roncado. Jacaré choca ― olhalhão, crespido do lamal, feio mirando na gente. Eh, ele sabe se engordar. Nas lagoas aonde nem um de asas não pousa, por causa de fome de jacaré e da piranha serrafina. Ou outra ― lagoa que nem não abre o olho, de tanto junco. Daí longe em longe, os brejos vão virando rios. Buritizal vem com eles, burití se segue, segue. Para trocar de bacia o senhor sobe, por ladeiras de beira-de-mesa, entra de bruto na chapada, chapadão que não se devolve mais. Água ali nenhuma não tem ― só a que o senhor leva. Aquelas chapadas compridas, cheias de mutucas ferroando a gente. Mutucas! Dá o sol, de onda forte, dá que dá, a luz tanta machuca.
Guimarães Rosa, in Grande sertão: veredas

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